Criado nas categorias de base do Corinthians, Júlio César jamais escondeu sua paixão pelo clube alvinegro. Durante os 15 anos em que esteve no time do Parque São Jorge, sendo nove deles no elenco profissional (2005/2014), teve companheiros ilustres, como Ronaldo, Roberto Carlos e Tevez, e colecionou alegrias e frustrações. Mais do que isso, acumulou troféus. Ao todo, são nove (Paulista – 2009/2013, Copa do Brasil – 2009, Brasileiro -2005/2011, Série B – 2008, Libertadores – 2012, Mundial – 2012 e Recopa Sul-Americana – 2013), o que o coloca no topo da lista de atletas com mais títulos pela equipe principal ao lado de Cássio. Entretanto, mesmo com tanta história e paixão, era costumeiramente visto com desconfiança por muitos.

“Eu acho que existe (reconhecimento por parte dos torcedores). O reconhecimento é bacana das pessoas que gostam. Ninguém é unânime, e é necessário conviver com isso. Hoje em dia, eu não tenho problema nenhum quando ouço ou leio alguma crítica, porque isso faz parte. Eu sempre falo que quando joguei e fui titular, não tive, em minha avaliação, um momento ruim. Mas eu tive jogos ruins, erros pontuais, que fizeram que, infelizmente, as coisas não progredissem muito mais. Meus momentos no Corinthians foram bons, com alguns erros que custaram a titularidade e eu não estar mais no clube. Mas, em geral, o reconhecimento é bacana e eu fico feliz quando recebo”, afirmou Júlio César, que disputou 141 partidas pelo clube de coração.

Após deixar o Corinthians, em julho de 2014, Júlio César se firmou no futebol pernambucano. Primeiro, foi titular do Náutico durante dois anos e meio. Depois, atuou durante todo o ano de 2017 pelo rival Santa Cruz. No início de 2018, retornou ao futebol paulista, desta vez para defender o Red Bull Brasil, clube então baseado em Campinas. E hoje, aos 34 anos, passa por um dos principais momentos da carreira.

“Eu não troco meus 34 anos pelos meus 20 e poucos anos. Com a experiência, fica mais fácil jogar e entender o jogo. Estou em um momento muito bom, que eu acho que é um dos melhores da carreira mesmo, pela maturidade que eu atingi”, completou.

Em 2019, Júlio César disputou 31 partidas e sofreu 20 gols. Foi peça fundamental para o Red Bull conquistar a melhor campanha da fase de grupos do Campeonato Paulista, com 27 pontos (oito vitórias, três empates e uma derrota). Eliminado da competição estadual pelo Santos nas quartas de final, o clube construiu estratégia para se fortalecer ainda mais e, após o regional, incorporou sua operação ao tradicional Bragantino. Com esta fusão, surgiu a oportunidade de disputar o Campeonato Brasileiro da Série B deste ano.

Sob comando do ex-zagueiro Antônio Carlos Zago, o Bragantino, que passará a ser Red Bull Bragantino a partir de 2020, se consolidou como um dos principais postulantes ao acesso. Após quinze rodadas, a equipe lidera a competição, com 28 pontos. E um dos principais trunfos está no sólido sistema defensivo, que manteve Júlio César como um dos pilares e sofreu apenas quatro gols até aqui, sendo o time menos vazado do campeonato.

“Ele (Antônio Carlos) é a peça fundamental. O time é a cara dele. Nossa equipe é competitiva como ele sempre foi como atleta. As orientações que ele passa são pelas experiências que ele teve, então somos um time que marca muito. Tudo que ele transmite, o jeito que ele gosta de jogar, nós conseguimos absorver para fazer um bom campeonato. Então, o Antônio é nossa principal peça e nos ajuda a ter esta solidez toda lá atrás”, destacou o goleiro.

Nesta entrevista, Júlio César relembra momentos de sua história no Corinthians, comenta sobre a fusão entre Red Bull e Bragantino e analisa a fase de sua equipe. Confira:

Yahoo: No Campeonato Paulista deste ano, você enfrentou o Corinthians pela primeira vez em Itaquera. Como foi atuar lá pela primeira vez?

Júlio César: Foi muito especial, porque o torcedor me recebeu muito bem. Eu estava um pouco em dúvida sobre como seria a recepção. Eu esperava que fosse uma recepção bacana, calorosa, pois é o time que eu amo. Mas não imaginava que seria do jeito que foi. O torcedor foi muito receptivo antes do jogo, no intervalo. Fiquei muito feliz mesmo. Ali foi onde passei 15 anos da minha vida, onde cresci e me formei como atleta. Para mim é especial, porque é o time que eu torço até hoje.

Yahoo: Você é uma das principais referências do clube que lidera o Campeonato Brasileiro da Série B e sofreu apenas oito gols em quinze partidas. Como avalia, particularmente, este momento?

JC: É um dos melhores momentos da minha carreira, junto com 2011, quando conquistei o Campeonato Brasileiro. Estou muito tranquilo e muito à vontade para jogar. Estou feliz aqui. Tenho conseguido entrar em campo, fazer as coisas direito e ajudar minha equipe.

Yahoo: O que mudou após a fusão do Red Bull com o Bragantino?

JC: A principal mudança mesmo é a de cidade, a troca de Campinas por Bragança Paulista, e ter o torcedor ao lado em uma cidade que abraça e empurra o time. Nossos jogos estão todos cheios e tem feito a diferença a torcida ajudando a gente. É um time com muita história, e viemos para somar mais história ainda.

Yahoo: A meta a curto prazo é conquistar este acesso do Bragantino para a Série A?

JC: Minha meta agora é essa, é 100% aqui. Focar na Série A, nessa campanha boa. É só o começo. Precisamos continuar com esta campanha até o final para coroar este ano que está sendo muito importante para o clube com o acesso e, quem sabe, com o título.

Yahoo: Entre o 22 de junho e 4 de julho, o Bragantino aproveitou o período de pausa da Copa América para ter um período de preparação na Áustria, nas instalações do Red Bull Salzburg. Como foi esta experiência?

JC: Foi a primeira vez que eu tive um período de preparação no exterior. Foi muito legal conviver com outra cultura, ter contato com o Red Bull Salzburg e jogar contra times que estão disputando as eliminatórias da Liga dos Campeões (Ferencvárosi/Hungria) e da Liga Europa (Levski Sofia/Bulgária, Legia Varsóvia/Polônia e Budapest Honvéd/Hungria). Conseguimos ir bem e ver qual é o nível da nossa equipe, observar onde podemos chegar e o que podemos fazer. Foi muito bacana mesmo poder estar em outro país. Essa parada da Copa América serviu para isso: entrosar, ajustar e fazer com que a equipe volte mais forte para a sequência do ano.

*O clube teve 100% de aproveitamento na Europa: 1 a 0 contra o Levski Sofia, 2 a 1 contra Ferencvárosi, 3 a 1 diante do Legia Varsóvia e 2 a 1 sobre o Honved

Yahoo: Em um país com uma cultura tão diferente do Brasil, acredito que vocês tenham voltado com boas histórias.

JC: Rapaz, história tem de monte. As mais engraçadas são das pessoas tentando falar inglês. Saiu cada pérola… teve uma que eu não vou falar o nome do cara, porque é meu amigo. Nós fomos almoçar no Centro de Treinamento em que estávamos e ele queria saber se tinha carne de porco, aí perguntou para a moça que estava nos atendendo se tinha carne de Peppa Pig. Ele não sabia falar carne de porco, então perguntou se era Peppa Pig. E eu ainda acho que a mulher entendeu, porque ela respondeu para ele.

Yahoo: Falando em outra cultura, você atuou por dois anos e meio no Náutico e um ano pelo Santa Cruz. Como é sua conexão com o futebol pernambucano?

JC: Eu gosto demais do futebol pernambucano e da cidade (Recife). O Náutico é um time que eu tenho muito carinho, fiquei dois anos e meio lá e queria até ter ficado mais. No Santa Cruz foi um ano de muita experiência e aprendizado, um lugar em que fui muito bem tratado por todos. Sou um torcedor do futebol pernambucano, torço muito pelos clubes e quero que eles se deem bem. Existem apaixonadas lá que dão show nas arquibancadas.

Yahoo: Qual momento você considera melhor: o atual ou 2011, quando você foi titular na campanha do título brasileiro do Corinthians?

JC: Eu acho que 2011 foi o auge por causa do título de expressão e tudo que aconteceu. Mas, hoje, sou muito mais tranquilo e sereno para jogar. Eu aproveito muito mais, me divirto muito mais em campo. Antigamente, eu tinha a responsabilidade e o peso nas costas, um pouco pela idade também. Hoje, por eu aproveitar um pouco mais, é um momento mais gostoso de se viver. Entretanto, 2011 foi um campeonato muito especial para mim, então é difícil de tirar do Top 1.

Yahoo: Em 2011, inclusive, houve o jogo contra Botafogo, no Campeonato Brasileiro, em que você continuou em campo mesmo após ter luxado um dedo da mão esquerda. Esta é a principal partida de sua carreira?

JC: Com certeza, porque é o jogo que me marca, que todo corintiano que me encontra na rua fala. É uma partida que ficou para sempre marcada na minha história.

Yahoo: Quando você era adolescente, o Ronaldo já estava consolidado como melhor jogador do mundo. Como foi conviver diariamente com ele entre 2009 e 2011?

JC: Foi um momento de muito aprendizado. Poder conviver com o Ronaldo foi muito bacana, porque você começa a conviver com a pessoa e vê a humildade, a seriedade dele no trabalho. Ele, particularmente, era um cara que me ajudava bastante e dava muitas orientações, porque pedia para treinar finalização depois do treino e falava como queria que fizéssemos para dificultar a vida dele para fazer o gol. Isso melhorava o Ronaldo e melhorava a gente. Então, ele é um cara que eu só tenho coisas boas pra falar. É um cara sensacional, de um coração enorme e tudo que ele ganhou na vida foi pouco pela pessoa que é.

Yahoo: Enfrentar o Ronaldo no mano a mano, diariamente, deve ensinar bastante.

JC: Ensina demais. Ele ainda dava dicas do jeito que você tinha que fazer para deixar mais difícil para ele. É um cara que buscava melhorar sempre.

Yahoo: E se o goleiro fosse capaz de complicar para o Ronaldo, imagina para os outros outros.

JC: Pelo amor de Deus. Se a gente conseguisse defender o dele, o dos outros ficaria um pouquinho mais simples (risos).

Yahoo: O Ronaldo e o Roberto Carlos foram companheiros durante anos na Seleção Brasileira e no Real Madrid (Espanha). E, em 2010, o Roberto foi contratado pelo Corinthians. Como era esse vestiário com os dois?

JC: Aí o vestiário ficou mais bagunçado ainda (risos). O Roberto Carlos é um cara que gosta mais ainda da bagunça e está sempre rindo. Eles já tinham uma amizade de anos. Foi legal também conviver com outro ídolo, um atleta com uma história sensacional. Os dois conversavam bastante com todo mundo. O Ronaldo era de brincadeira, enquanto o Roberto Carlos era de contar piada. E aí você começa a ver que no alto nível é necessário ter um vestiário bom e um ambiente bacana para poder fazer as coisas de um jeito legal. E eles faziam com que isso acontecesse.

Yahoo: Com certeza a presença dos dois rendeu alguma boa história.

JC: Teve uma vez que um menino da base foi com uma camisa do Brasil, uma dessas com modelo retrô. Os caras começaram a zoar o moleque, pegaram a camisa escondidos e pediram para o Ronaldo e o Roberto assinarem. O moleque, no lugar de ficar bravo, gostou, porque ele realmente estava com vergonha de pedir. Ficou como recordação para ele.

Yahoo: E como era a convivência com o Tevez, outro jogador de prestígio internacional que passou pelo Corinthians (2005/2006)?

JC: O Tevez era um cara mais calado e reservado. Ele era gente boa, conversava, brincava, mas era bem mais reservado. Ficava mais com o pessoal dele, no canto dele. Era um baita de um jogador, um cara que você aprende bastante quando treina junto. O argentino tem muito isso de ser aquele cara competitivo, querer melhorar no treinamento. Ele também era esse cara que buscava a perfeição.

Yahoo: Durante o período que que você esteve no Corinthians, o clube contratou muitos goleiros, sendo alguns deles bastante questionados pela torcida e imprensa, como o chileno Johnny Herrera, em 2006, e o paraguaio Bobadilla, em 2010. Você acha que estava preparado e isso te afetava de alguma maneira?

JC: Todo jogador acha que sempre está preparado e que o momento dele sempre é agora. Na época, eu também pensava isso. Não sei se era um pouco de falta de experiência ou aquela ansiedade de jogar, mas eu sempre pensava: “por que eu não tenho oportunidade?”. Entretanto, eu acho que a chance veio no momento exato. Acho que eu entrei em um momento bom do time, porque como eu era da base, se eu entrasse em um contexto ruim, as coisas não seriam boas, e a paciência é pouca no Corinthians, ainda mais com quem é da casa. Acho que foi o momento certo, não reclamo, não. Essa espera foi boa para que eu me preparasse cada vez mais. Acho que tudo aconteceu no momento exato.

Yahoo: Em 2012, você foi titular durante toda a fase de grupos da Copa Libertadores da América. Entretanto, pelo desempenho no Campeonato Paulista, acabou perdendo a posição para o Cássio nas oitavas de final. Como foi isso?

JC: Quando você deixa de jogar e ser titular, nunca é bom. Eu não fiquei feliz, mas entendi o momento e a decisão do Tite. Quando você analisa bem, vê que ele teve que tomar a decisão. O Cássio era e sempre vai ser um grande amigo. Nunca teremos problema nenhum. Ele entrou, sempre me respeitou e eu respeitei ele. Foi um momento pessoal difícil, mas de muito aprendizado também.

Yahoo: Em nove anos entre os profissionais do Corinthians, você pegou momentos muito opostos. O clube passou por momentos como a conquista do Mundial, da Libertadores e dois Brasileiros, mas também houve a queda para a Série B e eliminação para o Tolima (Colômbia). Como foi viver esta montanha-russa?

JC: É complicado. Eu sempre falo para os outros que o Corinthians é 8 ou 80: ou está tudo muito bem ou as coisas estão muito conturbadas. Isso ocorre pelo tamanho que é o clube e a exigência. Foram momentos muito difíceis. Eu não sei qual momento foi mais difícil, se foi a queda para a Série B do Campeonato Brasileiro ou a eliminação para o Tolima. A eliminação do Tolima eu jogava, né, enquanto na queda para Série B eu não joguei. Então, acabei vivendo mais. Foi bom que logo na sequência já ganhamos do Palmeiras, também começamos bem o Brasileiro. Mas foi muito difícil. O Corinthians é aquele clube que você vive intensamente, não tem mais ou menos. Isso te faz amadurecer muito mais rápido, você aprende muito mais rápido com essas dificuldades. Eu brinco que quem joga no Corinthians, joga em qualquer lugar do mundo. A pressão que existe lá não tem igual.

Yahoo: Sonha em retornar ao Corinthians?

JC: Quem fala que não quer jogar no Corinthians está mentindo. Eu sei que hoje está um pouco mais complicado pela situação, o Cássio e o Walter, pelos goleiros que tem lá. Se eu não voltar jogando, queria um dia voltar a trabalhar lá. Queria me preparar, estar pronto e merecer uma chance de trabalhar na comissão técnica ou alguma outra função. Quero continuar no futebol quando encerrar a carreira. Então, quem sabe. Em alto nível e jogando bem, eu sei que estou. Quem sabe. Nunca sabemos do futuro. Se um dia essa oportunidade vier, seja jogando ou pós-carreira, para mim vai ser muito importante.

Fonte: Yahoo!