Há poucos dias, Julio Cesar atingiu a marca de 300 jogos oficiais na carreira. Apesar dos 32 anos de idade, o coração do goleiro esteve dividido entre apenas três clubes. Dois dos quais, pernambucanos. Ao todo, 149 partidas nos quatro anos no Estado. Parte defendendo as cores do Náutico e, agora, as do Santa Cruz. Inevitável a criação de uma identidade com o futebol local. Por consequência, com o Recife. Aos que ainda duvidam em atuar no Nordeste, garante sentir prazer.

Em entrevista à Folha de Pernambuco, o goleiro contou sua história. Relembrou do interesse despertado pelo esporte ainda no modesto Guapira até a profissionalização no Corinthians. Clube com uma massa de equivalente paixão a que hoje torce por ele, nas arquibancadas do Arruda. Revelou frustrações e também objetivos. Mira a Série A, a curto prazo, e planeja não sair do futebol, mesmo com a ainda distante aposentadoria. “Vou ter um vazio muito grande. Precisarei preenchê-lo.”

SER GOLEIRO
Eu levo a sério futebol desde os nove anos de idade. Eu treinava em um clube de São Paulo chamado Guapira. Antes disso, já gostava de ser goleiro. Apesar de gostar de fazer gol, de brincar na linha, e tudo, como todo mundo gostava, sempre gostei de ir no gol. Mesmo quando tinha uma vaga pra ir na linha, eu ia no gol. E minha mãe e meu pai sempre me incentivaram muito. Porque eles viam o meu gosto e me davam luva, caneleira, joelheira, cotoveleira… Coisas relacionadas a goleiro. Então eu sempre gostei. Acredito que tenha sido um dom mesmo.

INTERESSE PELO ESPORTE
Futebol pra mim sempre foi uma brincadeira. Uma diversão. Eu jogava bola por prazer. Quando eu tinha de nove a dez anos, entrei em um time, o Guapira. E era um time que já disputava o Campeonato Paulista sub-15. E eu só curtia. Achava legal jogar contra times grandes. Pra mim era uma diversão. Mas eu almejava muito ser profissional, afinal toda criança tem esse desejo. Mas quando, aos 15 anos, fui para o Corinthians o negócio começou a ficar sério. Lá, encontrei profissionais qualificados que poderiam me ajudar a me tornar profissional. A partir deste momento, começando a ganhar vários torneios, e me saindo bem, comecei a ver que o futebol poderia ser a minha profissão no futuro.

ATUAR NO CORINTHIANS
Como eu fui criado no Corinthians, e tenho toda uma família corintiana. Os meus amigos, a maioria, são corintianos. Então eu atuava com um prazer enorme. Foram 15 anos de Corinthians, sendo dez como profissional. E eu passei por muita coisa lá. Momentos bons e momentos ruins, claro, como todo mundo passa. Mas foi uma honra e um prazer que eu vou levar para o resto da minha vida. Espero um dia poder voltar ainda. Apesar de a pressão e a responsabilidade serem enormes, porque qualquer coisa que acontece lá, o Brasil inteiro está vendo. Então você tem de saber lidar com essa responsabilidade. Mas tirando a parte da responsabilidade, quando você conquista algo lá, isso é muito maior do que qualquer outra coisa.

NORDESTE
Eu posso falar pelo que eu vivi em São Paulo. Eu acho que quando se fala do futebol nordestino, não se tem o preconceito pelo futebol. Mas muitos acham que você vai sumir aqui. Você acha que no futebol nordestino são aqueles campos ruins, estádios pequenos, sem torcida. Mas não. Quando você chega aqui, você vê que é totalmente o oposto. Claro que esses problemas também existem aqui, assim como existem em qualquer parte do Brasil. Mas quando você chega aqui você vê um cenário totalmente diferente. Torcedor apaixonado. Estádio cheio. Clássicos grandes, emocionantes. Então quando você chega aqui, vê que é totalmente diferente de tudo que ouve. Porque às vezes você cria esse preconceito pelo que você ouve, e não por aquilo que você vive. Só que lá é um pouco mais divulgado para todo o Brasil, e aqui às vezes fica um pouco mais regional. Mas se o futebol nordestino tivesse a mesma divulgação que tem o futebol das outras capitais, dos outros estados, acho que tudo seria de igual pra igual.

RECIFE
É muito fácil falar do Recife porque foi uma cidade que eu me adaptei muito rápido. A minha família também. Minha filha mais nova chegou aqui com quatro meses e daqui a pouco ela vai completar quatro anos. Então a gente já está muito adaptado. É uma cidade maravilhosa. O único problema que eu tenho com o Recife é a distancia de São Paulo. Porque se Recife fosse mais perto de São Paulo eu já teria fixado residência aqui. Mas existe a distância, por ficar longe dos amigos e da família. Mas para eu viver com a minha família, na questão de poder criar os meus filhos, Recife é fantástica.

MOMENTOS
O momento ruim, com certeza, foi o ano passado, em novembro, quando nós não conseguimos o acesso com o Náutico. Foi um momento muito dolorido. Muito difícil. Porque a gente precisava apenas de uma vitória, e torcer por um resultado. E o resultado aconteceu, mas a gente acabou não ganhando o nosso jogo. Foi o momento mais triste meu aqui no Recife. E o momento feliz é o que eu estou vivendo agora. Eu fui bem recebido no Santa Cruz. É um time que tem uma torcida muito parecida com a do Corinthians. É aquele torcedor apaixonado que vai aos estádios. E eu estou me sentindo muito bem. Voltei a ter aquela minha visão de quando eu tinha antes no futebol. De pressão, de casa cheia. De cobrança pelo resultado. E isso é muito bom. Isso te motiva cada vez mais. Então o momento que eu estou vivendo agora é muito especial aqui no Recife.

ACOMPANHAR O FUTEBOL?
Todo jogador gosta. Uns vão falar que não gostam, mas acho que eles não gostam com uma frequência maior. Mas acredito que gostam sim, porque você tem de estar bem informado. Você tem de saber o que está acontecendo no seu meio. Se você participa do futebol tem de estar informado com tudo que esta acontecendo. Se não assistir e não se informar não vai estar por dentro. Eu gosto, mas quando eu estou com meus filhos eu assisto menos. Quando eu não tinha filhos, assistia muito mais. Mas sempre quanto tem jogo na tevê, principalmente quando está passando a Serie B, que é a competição que a gente está agora, eu procuro assistir. Afinal todos os times que você assiste acabam virando seus adversários. Então serve como meio de informação.

MALANDRAGEM NO JOGO…
Eu acho que acabar, não se acaba nunca. A gente é ensinado e crescemos tentando ser malandros. Nos ensinam que a gente tem de levar vantagem em cima do adversário, cavar falta, tentar fazer com que o juiz erre. Eu acho que isso não vai acabar. A gente pode diminuir. Ou até melhorar. Tem como você ser honesto, tem como ter uma índole boa, e fazer da melhor maneira possível a sua profissão. Mas sempre vai ter os dois lados. A atitude do Rodrigo Caio (do São Paulo), por exemplo, foi maravilhosa. É um exemplo a ser seguido. Acho que muitos hoje em dia não teriam a mesma atitude. E fariam coisas até piores, infelizmente.

… TEM SOLUÇÃO?
Ainda existe a pressão pelo resultado. Você inclui a pressão do dirigente. Pressão do treinador. E a do torcedor quando você está jogando contra um adversário, ou contra um rival, principalmente. Jô (do Corinthians) foi lá no outro jogo e fez o gol da classificação. Então tem muita gente que fala que se não tivesse acontecido (atitude de Rodrigo Caio), o Corinthians não teria se classificado. Então ter uma atitude dessa para você beneficiar um rival, o torcedor muitas vezes não entende. Alguns até vão entender, mas outros não. Então muitos jogadores optam por não fazer, com medo de sofrer depois as consequências.

PESSOAS BOAS E MÁS
Existem mais pessoas boas. Com certeza sim. O ambiente do futebol é muito bom de se viver. Onde existem pessoas muito trabalhadoras, alegres, divertidas. Mas infelizmente há pessoas que estragam o futebol. Mas eu acredito que, sim, a grande maioria das pessoas que compõem o futebol é boa.

OBJETIVOS
Eu quero continuar jogando em alto nível pelo menos até os meus 38 anos. Ou seja, estar em times que competem em alto nível. Eu quero voltar o quanto antes para a Série A. E eu espero que este ano consiga voltar. Esse é o meu grande objetivo. É muito bom voltar e jogar uma Série A.

APOSENTADORIA
Eu quero estar no futebol. Eu não me vejo fora do futebol. Mas eu ainda não sei exatamente em qual função. Na minha cabeça, devo empresariar jogadores. É uma coisa que me agrada. Eu acho que existe muito espaço ainda. Mas não tenho certeza. Eu vou fazer 33 anos ainda, e tenho mais cinco anos de futebol. Então eu quero pensar nisso só mais pra frente. Mas é algo que esta amadurecendo na minha cabeça.

Fonte: Folha de Pernambuco