Coletiva 1Em um período que muito se fala sobre renovação de nosso futebol, a Série B do Brasileirão mostra sua parcela neste processo na figura de Junior Rocha, treinador do Luverdense, time do Mato Grosso. Aos 35 anos, é o mais jovem técnico da segunda divisão do país e o segundo, se contarmos a Série A, já que o português Sérgio Vieira, do América-MG, lidera o quesito com 33 anos.

A juventude do treinador nascido em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, não é sinal de falta de experiência, tampouco de irresponsabilidade. Rocha sabe que a preparação e a parcimônia são fundamentais para a carreira.

– Eu tenho os pés no chão, estudo muito essa parte tática, acho que uma equipe organizada dificilmente vai perder para uma desorganizada, é um conceito que eu tenho e venho estudando muito. Estou no meu último ano de faculdade de Educação Física. Não vou fazer o curso da CBF agora, porque são muitos jogos, vai ficar para outra oportunidade, vou buscando, é uma loucura, uma correria enorme, mas é o que eu amo fazer – afirmou.

Jovem também é o Luverdense, fundado em 2004 e que até 2013 estava na Série C do Brasileirão, ano do acesso à Série B, justamente com o comando de Junior Rocha. Em 2016, na terceira temporada do clube na segunda divisão, o pensamento é de se garantir na B e, se houver possibilidade, brigar por mais.

– Sabemos da história do clube, que é jovem, não podemos ficar achando que somos favoritos em um campeonato com Vasco, Bahia, Goiás, Náutico, clubes que investem muito mais, talvez seja o mesmo caso do ano passado, mas a nossa folha de pagamento deve ser a mais baixa da Série B. Às vezes, para alguns clubes falta um pouco de humildade, todos entram para fazer seus 45 pontos. A nossa meta é permanecer na Série B, alcançar a pontuação o quanto antes e, depois, sonhar não é proibido – ponderou.

Em nono lugar na tabela e a três pontos do G4, a política de dar um passo de cada vez e se reconhecer dentro de um campeonato equilibrado com concorrentes fortes não é apenas da cabeça do técnico. Os dirigentes apoiam irrestritamente a filosofia. No entanto, a distância dos grandes centros acaba dificultando a montagem do elenco.

– É uma grande dificuldade trazer jogador para cá. Tem um jogador, que eu prefiro não falar o nome, estava praticamente certo com a gente, recebeu proposta de outro clube e não pensou duas vezes. De repente ele pode até ter ido atrás de um salário maior, mas se tiver que optar entre o time X e o Luverdense, o cara vai para o time X, principalmente se for em uma capital, com logística favorável – lamentou.

Quem vê a empolgação de Junior Rocha ao falar de seu trabalho e dos feitos de seu time sob o seu comando nem imagina que um dia ele já quis largar o futebol. Com 30 anos de idade, o ex-atacante decidiu encerrar, no próprio Luverdense, a carreira de jogador. Após seis anos como profissional não aguentava mais a rotina, mas o esgotamento durou pouco.

– Quando eu parei de jogar em 2011, não queria mais ver bola, não queria mais viajar, não queria mais nada. Tinha um dinheirinho guardado, pensei em só estudar, e quando surgisse algo interessante no meio da Educação Física, eu abraçaria. Deu dois meses eu enlouqueci sentindo falta do ambiente, sentido falta de buscar a superação todos os dias e comecei a ir atrás. Recebi oportunidades em clubes menores do Rio Grande do Sul e em um mês de trabalho eu descobri que era aquilo que eu queria. Larguei de novo a família e fui para o mundão da bola  – contou.

Como dito pelo técnico, ele cursa o último ano de Educação Física, algo que faz parte do plano de carreira que, por ora, não admite queimar etapas, embora elas estejam cada vez mais difíceis de serem cumpridas. Enquanto isso ele conta com a compreensão daqueles que o cercam para seguir os estudos.

– É uma loucura, eu tenho que agradecer o coordenador do curso, os professores, porque eles têm sido maravilhosos comigo, usado o bom senso, o que tem feito a diferença. Quando estou em Lucas do Rio Verde eu vou a todas as aulas, não perco uma, deixou gravando os jogos dos adversários em casa, nós temos uma ferramenta que eu consigo baixar o jogo para estudar o adversário e passar para os atletas editado, mas a gente tem que se virar, não tem o que fazer, se o cara ficar reclamando em casa, não vai crescer nunca – ressaltou.

Outra peculiaridade de Junior Rocha é o fato de abrir espaço para a troca de informações, sem julgamento, além de não ser adepto de uma tática muito utilizada por treinadores famosos e badalados: A de esconder escalação.

– Acho que teria que ter mais encontros entre treinadores, mas os caras ficam escondendo, igual esconder escalação, desde que eu virei treinador eu não escondi nenhuma, o jogo é decidido ali dentro, a concentração do atleta é muito mais importante do que esconder escalação, eu acho isso uma frescura, o cara ter que esperar até 45 minutos antes pra saber, eu solto dois dias antes, não tem problema nenhum. “Ah, mas o adversário vai te estudar”, o treinador às vezes estuda e o atleta não está nem aí, nem sabe o que vai acontecer. Isso já foi, eu falo para eles, na campanha do ano passado eu não escondi uma escalação e não foi isso que nos fez perder ou ganhar, mas cada um tem um jeito, uma filosofia.

Ao citar o comportamento dos jogadores, Junior sabe bem do que está falando, sua carreira como profissional pode ter sido curta, mas teve tempo suficiente para aprender e poder identificar certas atitudes que hoje facilitam no seu trabalho com o grupo, mas avisa que o estilo “boleiro” ficou no passado.

– Mudou toda a minha vida, como se fosse um copo de água e outro de vinho, me fez perder os vícios de jogador, mas isso ainda me ajuda a perceber os atletas, né? “Nossa, esse é preguiçoso”. Isso é muito legal, mas a questão de vícios, já foi. ‘Boleirão’ esquece, não vai a lugar nenhum. Fora de campo convivo e trato muito bem todos, mas dentro de campo é outra coisa, cobro demais. Eles não evoluem se não for assim, se não tiverem disciplina – argumentou.

Nesta sexta-feira, o Luverdense recebe o Paraná em Lucas do Rio Verde-MT, mais uma etapa no Brasileirão de uma conexão quase perfeita entre clube e treinador que, a passos lentos, porém sempre em frente, evoluem de forma gradual e promissora, dentro de uma filosofia que deveria ser tendência, mas não passa, infelizmente, de exceção.

Confira um bate-bola com Junior Rocha, treinador do Luverdense:

Pensa em estudar no exterior?
Eu não consigo agarrar tudo, eu tenho a visão de que se eu fizer primeiro a faculdade, ser um treinador formado, já dá um ‘up’, aí eu preciso passar pelos cursos da CBF, licenças B e A, se não não me abrem portas lá fora, se eu for para a Arábia, por exemplo, eu preciso da licença A para trabalhar e a questão de cursos, eu acho que tenho que fazer primeiro os daqui, valorizar a organização que a CBF está impondo, porque não adianta nada ir lá fora, eu não quero ser um treinador europeu, quero ser um treinador brasileiro com conceitos atualizados, novos, dinâmicos, porque há muitos treinadores bons aqui no Brasil, só que a língua barra muito, então nós temos que nos preparar mais, ter a consciência de que nos acomodamos demais “Ah, mas eu cheguei no Inter e agora está bom”, não é assim, tem que estudar, não tem jeito.

Você se arrepende de alguma coisa?
Nada, eu amo isso aqui. Se eu ficar fora, eu fico doente. Eu amo de paixão, amo demais o que faço, eu não sei se tem alguém que ame mais do que eu, não posso ficar longe. Aquele frio na barriga, aquela sensação quando ganha… Mas o que mais dá prazer é ver os caras evoluírem, poder ver alguns atletas que eram umas ‘tiriças’, depois perceber onde chegaram, é muito legal, é gratificante demais, eu falo direto para eles agradecerem sempre, isso faz com o cara busque sempre mais e mais.

Você conhece o clube muito bem também, como descreveria a estrutura?
Nós crescemos muito, hoje tem um CT, um campo de treinamento, que não tinha, estamos trabalhando com a tecnologia de GPS, o clube cresceu muito, como o presidente fala, a casa é bem humilde, mas bem cheirosinha. Nós temos um problema de estrutura lá no estádio, os vestiários, mas nós fomos jogar na Curuzu, teríamos que voltar para casa, calor do inferno no vestiário, à noite, pequeno, sem ventilador, os caras vão lá no Luverdense e são tratados bem, oferecemos frutas nos vestiários, algo fora do comum. Pode até dar errado, mas nós vamos errar fazendo o certo.

Pode dar um exemplo de como funciona a logística de vocês?
Jogamos em um dia à noite em Lucas do Rio Verde, na manhã seguinte treinou quem não foi para o banco e quem não jogou, uma hora da tarde nós saímos de Lucas até Cuiabá de ônibus, 340km, dormimos em um hotel. Às seis da manhã do dia seguinte nós fomos para Porto Alegre, chegando lá, mais 300km de ônibus até Pelotas. É loucura, só louco para vir pra cá. Tem que ter ambição, sonhos. Se eu levar um cara em fim de carreira, você acha que vai dar certo? Nunca, o cara já não quer mais nada com nada.