O dia 4 de dezembro de 2011 foi duplamente emblemático para a história do futebol nacional. Primeiramente porque, na madrugada daquela data, o Brasil perdeu Sócrates, um dos craques mais geniais que o País já teve dentro e fora de campo, que morreu aos 57 anos, de falência de múltiplos órgãos, depois de ser internado em estado grave no hospital Albert Einstein, em São Paulo.E no estádio do Pacaembu, a menos de 10 quilômetros de distância do local onde ele faleceu, o time do Corinthians, clube pelo qual o ex-meia se consagrou como ídolo, entrou em campo cerca de 12 horas depois para enfrentar o Palmeiras no clássico válido pela rodada final do Campeonato Brasileiro.
Antes de a bola rolar, os 22 jogadores das duas equipes se posicionaram em volta do círculo central do campo durante o minuto de silêncio em homenagem ao ex-jogador e os 11 atletas corintianos escalados pelo técnico Tite, além do próprio treinador e os reservas da equipe, repetiram o famoso gesto que o ídolo eternizou na comemoração de todos os seus gols. Eles levantaram um dos braços com o punho cerrado e colocaram o outro braço atrás das costas.
O mesmo gesto foi repetido por torcedores emocionados nas arquibancadas, onde eles gritavam o coro “É, Só-cra-tes” antes de acompanharem ao confronto no qual o Alvinegro empatou por 0 a 0 com o Verdão e garantiu a conquista do seu quinto título do Brasileirão. Com 71 pontos, dois dígitos que se somados resultam em 8, número com o qual o meio-campista fez história com a camisa corintiana, o Timão ficou pouco à frente do vice-campeão Vasco, com 69 pontos depois de não conseguir passar de um empate por 1 a 1 com o Flamengo.
Exatos dez anos depois daquele pentacampeonato, o LANCE! entrevistou o goleiro Júlio César, então titular corintiano naquele clássico no Pacaembu e que relembrou como foi aquele dia histórico, que começou com a triste notícia da morte de Sócrates e depois terminou com a alegria da conquista do título.
O jogador lembrou do abalo causado pela confirmação da morte do ídolo corintiano e da Seleção Brasileira, pela qual disputou as Copas do Mundo de 1982 e 1986. E que no primeiro destes anos fez parte do grande time que encantou o planeta no Mundial na Espanha, deixando saudade aos torcedores e fazendo história mesmo sem ter conseguido ficar com o título da competição.
– É um ídolo, era um ícone, um cara que todo mundo respeitava, gostava. Claro que não é fácil receber uma notícia dessa, todo mundo ficou chateado e abalado, mas foi uma forma de homenageá-lo. Teve aquele ato antes do jogo, de levantar o braço como ele comemorava os gols, então pra gente também foi muito importante poder homenageá-lo, foi um incentivo a mais naquele momento – disse Júlio César, que atualmente é goleiro do Red Bull Bragantino.
TÍTULO COM SABOR ESPECIAL AO SER GARANTIDO NO CLÁSSICO
E o jogador destacou ao LANCE! que aquela conquista se tornou ainda mais especial pelo fato de ter sido garantida em uma partida contra o arquirrival Palmeiras, sendo que na penúltima rodada o título só não foi assegurado porque o Vasco venceu o Fluminense por 2 a 1, no estádio do Engenhão, graças a um gol marcado por Bernardo aos 45 minutos da etapa final do clássico.
– Foi muito bom ser campeão no último jogo, ainda mais em cima do nosso principal rival. A gente queria ter confirmado antes, até porque sabíamos que o rival queria tirar o título da gente, mas a festa foi muito mais saborosa ganhar o título em cima do nosso maior rival. Então foi importante, foi legal, e a festa só deu um sabor a mais ao título que foi tão bonito ao longo do ano – recordou Júlio César, que vê aquela conquista como uma das duas mais importantes da sua carreira ao lado do histórico troféu continental obtido pelo Timão em 2012.
– Eu digo que é um dos (títulos) mais especiais. Ele é o mais especial porque foi o que eu mais joguei, atuei o campeonato inteiro praticamente, mas, para mim, que fui criado na base do Corinthians, a Libertadores tem um gosto muito especial. Então assim, ser formado na casa e ser campeão jogando, campeão da Libertadores, acho que tenho esses dois títulos como os principais da minha carreira – revelou o goleiro, que perdeu a titularidade para Cássio durante aquela Libertadores após cometer duas falhas em jogo contra a Ponte Preta, no Pacaembu, que marcou eliminação alvinegra nas quartas de final do Paulistão.
TROFÉU IMPORTANTE APÓS DECEPÇÕES
A conquista daquele Brasileirão de 2011 foi importante também pelo fato de que o Corinthians havia amargado decepções marcantes, como a vexatória eliminação diante do pequeno Tolima, da Colômbia, na fase preliminar da Copa Libertadores, e a derrota para o Santos de Neymar e cia na final do Paulistão. E Júlio César exaltou o peso que aquele penta teve para ele e para a equipe.
– Foi um campeonato de reafirmação minha, pessoal, do time, que foi formado para ser campeão, mas não tinha conseguido um grande título. Para a gente foi importante esse título brasileiro, com um elenco muito competitivo, e conseguir sair campeão para gente foi muito importante. Levo com muitas recordações boas o título de 2011, fiz amigos e sou lembrado pela torcida corintiana até hoje por conta desse bom campeonato que fizemos – destacou.
O LEGADO DE UM GÊNIO DENTRO E FORA DE CAMPO
Formado em Medicina e com uma inteligência muito acima da média para os padrões da grande maioria dos jogadores brasileiros de sua época, o Doutor Sócrates, como ficou conhecido, deixou um legado de um jogador que dentro de campo era considerado um gênio principalmente pela categoria que exibia ao converter jogadas ofensivas em gols e pela incrível habilidade que tinha ao usar o calcanhar para servir os companheiros e iludir os seus marcadores.
Simplificando as jogadas com seus passes geniais que transmitiam uma falsa sensação de que praticar o futebol-arte era uma tarefa fácil, o meio-campista brilhou com a camisa do Timão entre 1978 e 1984, período em que ajudou o clube a conquistar três títulos paulistas, em 1979, 1982 e 1983. E estes dois últimos troféu foram obtidos no período da Democracia Corintiana, histórico movimento liderado pelos jogadores e do qual ele foi um dos principais líderes.
Na época, o movimento teve também papel importante como um instrumento de popularização em prol da luta pelo fim da ditadura militar no Brasil. Ao lado de nomes como Casagrande, Wladimir, Zé Maria, Biro-Biro e Zenon no Timão, Sócrates participou de campanhas e grandes manifestações pela volta do voto direto para eleger o presidente do Brasil, o que não acontecia desde 1960.
E após o bicampeonato paulista com os títulos de 1982 e 1983, o craque voltou a ser protagonista fora de campo pelo seu engajamento político ao prometer, em 1984, durante uma gigante manifestação pelas Diretas Já em São Paulo, que só deixaria o Corinthians para jogar fora do Brasil se a Emenda Dante de Oliveira não fosse aprovada. A mesma propunha que a lei vigente fosse mudada para que as eleições diretas para presidente da República voltassem a ocorrer no Brasil. Essa proposta contava com o apoio da maioria da população na época, mas a emenda acabou sendo reprovada em votação no Congresso.
Desta forma, Sócrates aceitou uma oferta da Fiorentina em 1984, mas não teve sucesso no futebol italiano e acabou retornando ao Brasil no ano seguinte, quando foi contratado pelo Flamengo. No período com a camisa rubro-negra, ele chegou a ser campeão carioca em 1986, ano em que defendeu o Brasil que caiu diante da França nas quartas de final da Copa do Mundo do México.
E então ele já vivia fase fisicamente decadente de sua carreira, na qual depois ainda vestiu a camisa do Santos entre 1988 e 1989, ano em que se transferiu ao Botafogo de Ribeirão Preto (SP), clube no qual iniciou sua trajetória profissional e também acabou se aposentando dos gramados, ainda em 1989, aos 35 anos.
ALCOOLISMO E MESES SOFRIDOS NO FIM DE SUA VIDA
Antes de morrer no dia 4 de dezembro de 2011, Sócrates viveu meses sofridos no final de sua vida. Sem nunca esconder a sua paixão por prazeres como a cerveja e o cigarro, o ex-jogador viu o seu estado de saúde começar a piorar de forma mais aguda a partir de agosto daquele ano, quando no dia 19 daquele mês foi internado em estado grave com uma hemorragia digestiva alta causada por uma hipertensão portal, causada pelo consumo prolongado de álcool.
O ex-meio-campista recebeu alta do hospital Albert Einstein oito dias depois de ser internado, mas precisou voltar à Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do mesmo local já em 5 de setembro, quando teve de contar com a ajuda de aparelhos para conseguir respirar. Depois de uma nova recuperação, o ex-atleta foi liberado pelos médicos para retornar para a sua casa após 17 dias.
Na primeira dessas internações, Sócrates chegou a admitir que era dependente de álcool e tinha um ponto de cirrose localizado em um parte muito sensível do fígado, mas prometeu que não iria mais beber. Porém, voltaria ao hospital Albert Einstein em setembro e depois no início de dezembro, quando ficou apenas quatro dias e morreu no último deles. Ele foi internado após passar mal durante um jantar e ficou em coma induzido, respirando com ajuda de aparelhos. E na madrugada daquele dia 4 de dezembro de 2011, às 4h30, faleceu em decorrência de choque séptico, uma infecção generalizada.
COLEÇÃO QUE HOMENAGEIA ÍDOLO COMEÇA A SER VENDIDA NESTE SÁBADO
No marco dos dez anos da morte de Sócrates, o Corinthians, em parceria com a Nike, lançou uma coleção especial em homenagem ao ídolo, que conta com camisas e um blusão inspirado no ex-jogador. As mesmas começaram a serem vendidas ao público em geral neste sábado nas lojas do fornecedor de material esportivo do clube, na ShopTimão.com e na rede de franquias Poderoso Timão.
Esta edição especial conta com um distintivo principal que é formado pela união do escudo do time com a imagem do ex-jogador comemorando um gol com o braço levantado e o punho cerrado. Nas costas, a camisa traz o número 8 que ele usava e acima dele o nome “Doutor Sócrates”, sendo que o tipo de escrita utilizada remete ao adotado no uniforme corintiano na década de 1980.
– Não há como pensar na grandeza do Corinthians sem reconhecer a importância de tudo que Sócrates fez pelo time dentro e fora do campo. Além de ter sido um dos maiores craques da nossa história, ele era um líder e um cidadão engajado, que abraçou a Democracia Corintiana com os colegas de elenco e com meu pai, Adilson Monteiro Alves, que na época era diretor de futebol do clube. Essa coleção é um reconhecimento à altura da memória do Doutor, e tenho certeza de que a torcida vai se orgulhar e se emocionar ao vestir as camisas”, disse Duílio Monteiro Alves, presidente do Alvinegro, ao site oficial do clube, para comentar esta bela homenagem feita ao ídolo.
Fonte: Lance!