Tchê Tchê não é mais o mesmo. Está muito diferente daquele jogador que virou titular absoluto do Palmeiras assim que chegou do Audax e terminou 2016 campeão brasileiro e com a prateleira repleta de prêmios individuais. E, acredite, isso é bom.

O Tchê Tchê do São Paulo – que traz no currículo uma passagem rápida pelo ucraniano Dinamo de Kiev – é mais maduro, tem consciência da responsabilidade que carrega por ter sido comprado por 5 milhões de euros, dedica-se ainda mais nos treinos e, principalmente, está decidido a ser cada vez mais protagonista e a “viver” o Tricolor, que recebe o Ceará às 16h de domingo no Morumbi.

– Talvez eu tenha errado em algum momento (no passado). Chegar para treinar sem tanto tempo, algumas vezes em cima da hora. Nunca fui um cara indisciplinado, mas às vezes você tem que se preparar melhor para o treino, chegar um pouco antes, chegar sem pressa no clube, não ter pressa de ir embora. Tenho procurado fazer isso, viver o São Paulo. Desde que eu cheguei o que eu estou tentando fazer é viver isso aqui da forma mais intensa possível para que as coisas fluam bem e eu possa dar respostas para o clube dentro do campo.

O meio-campista de 26 anos balançou a cabeça afirmativamente quando o repórter do LANCE! começou a formular uma das perguntas dessa entrevista dizendo que estava notando uma atitude diferente em seu futebol, a de aparecer nos momentos mais difíceis dos jogos, de assumir um protagonismo maior, sem deixar de lado o trabalho de “formiguinha” que o caracterizou durante toda a carreira.

– Você fez essa pergunta e eu acho a mesma coisa. Tenho no meu coração o desejo de ser mais protagonista. Quando as coisas ficam difíceis eu tenho procurado aparecer, até porque a cobrança vai ser grande, o clube fez um investimento para eu estar aqui, a exigência é grande. Quero levar o São Paulo ao ponto mais alto, conquistar títulos, e é óbvio que para isso eu tenho que ser diferente, melhor do que já fui algum dia. É isso que estou buscando. Quero, sim, ser protagonista, sem aparecer mais do que ninguém – disse ele, titular do time nas 14 vezes em que esteve à disposição de Cuca.

ótima relação com o técnico, aliás, é uma das únicas coisas que não mudou. Foi ele quem o levou ao Palmeiras, foi ele quem bancou sua presença na equipe titular desde o primeiro treino e foi ele quem o convenceu a vestir tricolor para que a história se repita. Nesta entrevista, Tchê Tchê fala sobre isso, sobre as dificuldades que teve na Ucrânia (incluindo episódios de racismo), sobre as mudanças que fez em sua rotina para render mais e sobre diversos outros temas. Leia abaixo:

LANCE!: Assim como no Palmeiras, você chegou aqui e assumiu a condição de titular absoluto instantaneamente. Qual é o segredo para adaptar-se tão depressa?
Tchê Tchê: Quando eu voltei, voltei determinado a isso. Foi uma escolha minha, e óbvio que o São Paulo demonstrou muito interesse. Voltei com um foco muito grande para provar para mim mesmo que eu poderia estar atuando em um bom nível aqui no Brasil. Não para mostrar para ninguém, é para mim mesmo e para minha família. Foi uma decisão difícil voltar para o Brasil, mas pela grandeza do clube ficou fácil. Sobre a titularidade, acho que preciso estar demonstrando em cada jogo, cada treino, cada dia. O São Paulo vem se fortalecendo cada vez mais, é uma disputa sadia e cada vez fica mais difícil se manter.

O que você ponderou para tomar a decisão de voltar ao Brasil?
A gente sai daqui em busca de um sonho, mas às vezes as coisas não acontecem da maneira que a gente espera lá fora. Foi difícil (tomar a decisão) porque gente sabe que lá a cobrança é menor, minha família vivia muito bem lá, minha esposa relutou um pouquinho, a gente sabia da cobrança que teria aqui. Mas, de modo geral, pela grandeza do São Paulo, quando eles demonstraram bastante interesse mesmo, real, se tornou uma decisão mais fácil de ser tomada. O que eu mais pensei foi na minha família, é o que eu sempre penso. Aqui minha mulher pode ficar perto da família dela, eu da minha, os nossos pais vão ver meu filho de perto (Rhavier está com três anos)… Foram esses pontos que pesaram para a volta.

Quais foram as dificuldades que você teve na Ucrânia?
Aconteceu um ou outro episódio de racismo. E também você vai na ideia de jogar todos jogos e não joga. Lá eles tinham essa coisa de não ser relacionado e ir jogar na segunda equipe. Para eles é natural, mas o brasileiro não está acostumado, então não gosta. Mas de modo geral foi uma experiência boa. Fiquei mais maduro, aprendi a dar mais valor para a minha família, passar mais tempo em casa com a minha mulher e com meu filho também.

Como foram esses episódios de racismo?
Foram uns dois episódios assim, dentro do jogo. Com a torcida do Dinamo não aconteceu nenhum episódio, era coisa dos adversários, dentro do campo às vezes chamavam de negro. Tipo de coisa que a gente já vai sabendo que pode acontecer, não é algo que me afeta muito, não. A gente sabe que vai para um lugar com cultura totalmente diferente, infelizmente o negro lá é minoria, então a gente já vai sabendo. Sou muito bem resolvido quanto a minha cor, minha raça, então não tem problema.

Qual foi o peso do Cuca nessa decisão? Quantas vezes ele te ligou?
Puts, não sei, várias vezes (risos). Óbvio que tem a minha relação com o Cuca, a gente tem um carinho muito grande um pelo outro, mas o que eu sempre deixo claro é que isso não vem à toa. Eu conquistei a confiança dele dentro do campo. Não é que ele me viu, me achou bonito e eu virei alguém que ele adora. Não é assim. E sempre deixo claro que eu vim para o São Paulo pelo que o clube me ofereceu, tive conversas também com o Raí, o presidente e o Pássaro para saber se o interesse era só do Cuca ou se o clube tinha interesse no meu futebol também. Quando demonstraram que sim, óbvio que fiquei muito feliz e abracei essa ideia. É um projeto que tem tudo para dar muito certo, tem jogadores de grandíssimo nome chegando para reforçar o elenco. Espero que seja mais um para ajudar bastante.

Você deve ver nas redes sociais que a torcida do São Paulo gosta bastante de você, mesmo com o passado no Palmeiras. Essa simpatia imediata te surpreendeu?
Ao contrário do que pensam eu não sou tão ligado em rede social, às vezes não sou nem eu que estou mexendo. Procuro não ficar muito atento a isso porque a gente sabe que da mesma forma que vêm os elogios e a admiração também vêm as críticas. Se a gente se pautar em rede social e internet, na fase boa ou na ruim, a gente não vive. Mas eu fui pego de surpresa, sim. Ter jogado em um rival, sair e depois voltar para um time que está do outro lado do muro… A gente fica meio sem saber, né? Minha esposa também falou: “Será que vão te receber bem? Como será que vai ser?”. Eu falei que ia depender do que eu demonstrasse dentro do campo. Acho que é nessa linha. Eu treino, procuro evoluir o que preciso todos os dias, e acho que se eu estou agradando a eles agora é pelo que venho fazendo em campo. A história que eu tive no outro clube já ficou para trás, agora eu quero ser feliz aqui no São Paulo, conquistar títulos aqui e fazer a minha história aqui agora.

E o que você já notou do “mundo São Paulo”? Como você classificaria o clube?
É muito cedo ainda para falar, mas o que percebo é que o clube é muito organizado. Às vezes as coisas não dão certo, mas não tem uma coisa para você apontar e falar: “É tal erro que está ocasionando isso”. Tem coisas que acontecem no futebol e não têm explicação. O que a gente pode fazer, o que a gente promete, é trabalhar muito para que o clube conquiste algo logo, rápido. A torcida precisa muito disso, os funcionários do clube também. É um clube que viveu grandes épocas, tem grandes títulos, então o que a gente mais deseja é voltar a conquistar. Claro que tem todo um processo, tivemos eliminações, mas a gente vem se reformulando de maneira boa e temos demonstrado depois da Copa América que podemos alcançar grandes coisas.

Você veio com um contrato longo, o que até surpreendeu muita gente. Quais são seus planos para o futuro da carreira? Ainda quer ir para o exterior para dar certo?
Estou muito feliz aqui no São Paulo e não penso em sair daqui. Minha vontade é ficar aqui e ter uma história com o clube. Quando as pessoas lembrarem de mim, quero que lembrem da minha passagem pelo São Paulo: “jogou bem lá, conquistou títulos”. Meu foco é aqui agora, não penso em sair daqui. Espero que eu possa ficar esses quatro anos e ainda tenho mais um para estender se tudo estiver caminhando bem. Espero que eu fique esses cinco anos ou até mais.

Seleção Brasileira: acha que é algo factível ou um sonho irreal?
Eu acho que vai depender muito do que eu demonstrar, o Brasileiro é uma grande oportunidade. Se as coisas continuarem caminhando assim, por que eu não posso sonhar? Tem jogadores que aos 30, 31 anos conseguem sua primeira oportunidade. Minha vida mudou tanto em tão pouco tempo, por que não posso sonhar com isso? Não sou obcecado, não vou dormir pensando nisso, não tira o meu sono. Acho que passa muito pelo São Paulo. Se o São Paulo estiver em uma boa fase e eu estiver entre os protagonistas, ajudando o time da minha maneira, sem querer ser melhor do que ninguém, fazendo meu papel bem feito, posso sonhar, sim, com isso. Mas tenho meus pés no chão, vou procurar fazer um bom Brasileiro para que meu nome possa ir crescendo nos bastidores.

Como é a convivência com o Daniel Alves? Ele realmente colabora muito com o ambiente?
A partir do momento que chega um cara com o nome do Daniel Alves, um dos ídolos do Brasil, capitão da Seleção, melhor jogador da Copa América, que tem a admiração de todos aqui dentro, a gente tem certeza que ele vai ajudar tanto dentro quanto fora de campo. Ele tem se mostrado uma pessoa do bem, tenta ajudar, sempre que pode está conversando com um, com outro ou dando orientações para o time todo. Ele não jogou contra o Santos, mas foi no vestiário, conversou também, tanto ele quanto o Juanfran. Tenho certeza que com essa chegada dele o São Paulo vai ter uma mudança de patamar. A gente sabe que a visibilidade no São Paulo vai ser maior também, as pessoas vão começar a olhar ainda mais. A gente espera que ele traga os títulos dele para o São Paulo agora.

Aqui, assim como no Palmeiras, você já se caracterizou por jogar todas as partidas. A parte física não cobra?
Eu sou um cara mais leve, isso facilita. Claro que sinto dores, o cansaço também chega para mim, mas tento me preparar bem, dormir bem. Não vou falar que como bem, porque estaria mentindo aqui, tem muita coisa que deixo a desejar na minha alimentação, mas procuro compensar de outras maneiras nos treinos. A gente teve essa inter-temporada em Cotia que foi muito boa, o pessoal é muito bem preparado e está sabendo como conduzir isso. Espero continuar jogando, mas vai depender muito do que eu demonstrar.

Como o São Paulo tem encarado o Brasileirão? Já se fala em título aqui dentro?
A gente pensa jogo a jogo. Não adianta pensar no título sendo que tem uma distância grande de pontos ainda. Não dá para focar nos que estão lá em cima e esquecer os adversários difíceis que estão brigando perto da gente. O campeonato está muito nivelado, a disputa está em aberto. Claro que a gente vem ganhando corpo, estamos crescendo muito depois da Copa América, mas vamos manter o pezinho no chão, continuar trabalhando. O jogo mais importante sempre vai ser o próximo, sem pular etapas.

Fonte: Lance!