Em 2011, Jucilei estava na Seleção Brasileira e preferiu deixar o Corinthians para virar milionário no exterior, como ele mesmo avisou na época. Mas, no ano passado, o volante chegou emprestado pelo Shandong Luneng, da China, ao São Paulo e criou um carinho mútuo a ponto de ser comprado por 1 milhão de euros (quase R$ 4 milhões) e renovar por quatro anos. Agora, o jogador de 29 anos quer se aposentar no Tricolor.
Nessa terça-feira, véspera do jogo das 21h45 desta quarta-feira, contra o Bragantino, no Morumbi, Jucilei falou com o LANCE! no CT da Barra Funda. Deu 30 minutos de entrevista e ficou mais meia hora conversando. Mostrou como sua responsabilidade ajudou seu futebol a ajeitar suas finanças e, hoje, ele é tratado como referência no elenco e até para a torcida. Por isso, pede paciência a quem for ao estádio.
– O time está em uma crescente muito boa. Que a torcida tenha calma. Sabemos que o torcedor só ouve para ter calma e paciência, e está há mais de cinco anos sem título. Mas precisam ter um pouquinho mais de paciência. Vaiar é dar mais força para o adversário. É questão de ter um pouquinho de paciência. Entendemos a impaciência deles, mas ficarmos presos aqui para entrar lá e fazer um jogo ruim não tem cabimento. Entramos sempre para vencer, ainda mais em casa, onde queremos dar alegria para eles.
Confira a entrevista exclusiva de Jucilei:
Você renovou por quatro anos no São Paulo. Já está procurando residência fixa?
Estou procurando casa. No ano passado, eu morava de aluguel, mas fiz quatro anos no São Paulo e resolvi comprar casa. Compensa mais do que pagar aluguel.
Imagino que a família está bem feliz.
A felicidade é enorme. Da minha família, dos meus filhos e minha, poder ter esse contato toda hora, ver o crescimento deles. É muito legal. Estou bastante motivado e bem feliz.
Quando você estava na China, sua família ficou por aqui?
Fiquei um ano e meio lá, e eles no Brasil, para estudar e até mesmo por causa da saúde. Fiquei um pouco de medo porque, se passasse mal lá, não teria hospital adequado. Eles só ficaram um mês lá comigo. Foram e voltaram logo, porque era o mês das férias. Esse período foi um pouco difícil mesmo.
Você teve perrengue na China?
Não falo tanto que é perrengue. É lógico que, como a cultura é totalmente diferente, dificulta. Mas você tem de se adaptar, vai para lá sabendo como é. O que aconteceu mesmo foi essa questão da família. Ficar longe é difícil. Se fosse um país com uma escola internacional, um hospital internacional, e a cidade não fosse difícil de viver, talvez eu ficasse mais tempo. Mas esse fato de não ter escola nem hospital, o mandarim… Preferi deixá-los no Brasil.
Em 2011, quando você estava para sair do Corinthians, estava na Seleção Brasileira e disse que queria ir para a Rússia porque ficaria milionário aos 25 anos.
Naquela época, eu tinha um bom salário no Corinthians, mas era a minha independência financeira. Tomei essa decisão porque tinha uma boa proposta na mão, com um bom salário, seria bom para mim, para o Corinthians, para o meu empresário. Então, eu tinha de sair. Fiz minha parte no Corinthians. Não me arrependo.
Seis anos depois, você voltou ao Brasil para jogar no São Paulo e pedindo para ficar…
Fui para fora para fazer o meu pezinho-de-meia. Ficando seis anos nos países em que fui (Anzhi, na Rússia, Al-Jazira, nos Emirados Árabes Unidos, e Shandong Luneng, na China), é lógico que dá para fazer o pé-de-meia. Optei pela questão financeira, foram boas oportunidades. Por que não ir? Tem de agarrar. Mesmo sendo um país difícil, é uma oportunidade.
Sua família te acompanhou nessa trajetória toda?
Só nos Emirados, onde é bom, todos falam inglês, comida muito melhor, mais opções. Na China, uma tia minha ficou um período, mas filho, família e esposa só ficaram um mês. Na China, não falam inglês. Não falo inglês com fluência, só me viro, mas não tem como comparar a China com os Emirados.
Você foi para a Rússia com o Roberto Carlos, né?
Ele foi primeiro, mas cheguei dez dias depois. A proposta da Rússia veio para mim antes do que para ele, mas eu estava na Seleção, novo, ia jogar a Libertadores, e recusei. Quando fomos eliminados da pré-Libertadores (pelo Corinthians, para o colombiano Tolima, em 2011), perguntei para o meu empresário se a proposta ainda estava de pé e, como mantiveram, fomos. A princípio, eu queria ir para a Europa. Eu estava novo, tinha a mentalidade de ir para a Seleção.
Ainda sonha com a Seleção?
Sim. Estou com 29 anos. Nesta Copa, sei que é mais difícil. Na outra, estarei com 34. É sonho, né? O negócio é trabalhar bem que as coisas acontecem.
Você faz projeções e raramente se machuca. Qual é o segredo?
É genética. Sempre tive a genética boa. Meu pai é fortão. O único lugar que machuquei foi na Rússia, quebrei o quinto metatarso do pé direito e fiquei três meses parado, mas não precisei operar. Graças a Deus, nunca operei. Nem quero. Acho que é genética. Mas fortaleço, lógico. No ano passado, tive um pouquinho de tendinite no joelho esquerdo, mas nada que atrapalhasse porque, quando eu aquecia, a dor sumia. Depois, voltava, mas passei um período chegando antes, fazendo reforço. Neste ano, não senti nada.
Você tem 29 anos e mais quatro de contrato com o São Paulo. Tem chance de ser o último clube da sua carreira?
Falo muito que quero parar com 35.
Por quê?
Quero aproveitar mais a minha família, curtir meu filho, sair um pouco dessa rotina de concentração. Se fosse só jogar, seria bom. Só chegar, se apresentar e jogar. Até treinar é bom. Mas a logística… Você viaja pelo menos um dia antes, volta só no dia seguinte do jogo. E ninguém gosta de concentrar. É isso que mata. Mas eu gosto de jogar, então…
Então tem chance de você se aposentar no São Paulo?
Sim. Tenho na mente parar com 35. Não sei se vou chegar com 34 e falar “opa, vou continuar”. Ficar longe disso aqui deve ser difícil. Você fica na rotina treino-jogo e, quando sentar no sofá, pensar “caramba”. Ficar em casa o dia todo deve ser chato e dar saudades. Mas acredito que o São Paulo pode ser o último clube, sim.
Virar técnico ou auxiliar quando sem aposentar sem chance?
Não, nada. Aí eu teria essa rotina e logística de novo. Quero outro ramo. No meio do futebol, não quero.
Mas você é um cara que pensa no lado financeiro, tanto que ficou todo esse tempo no exterior. Já deve ter algo em mente.
Sim. Para, quando parar, ter unzinho. É lógico que vou querer outra coisa para ter uma renda. Vamos ver o que vai ser.
E seus filhos? Serão jogadores?
Eles gostam de futebol. Vamos ver se sai jogador. Eu recomendo, não tem como vetar. Quando eu era criança e não me deixavam ir para o campo, eu ficava doido.
Com esse espírito, e essa responsabilidade, imagino que permanecer no São Paulo renovando por mais quatro anos aumentou seu status como referência no grupo.
Sempre procuro ter respeito. Respeito as pessoas e me respeitam. Acredito que a renovação ajudou, sim. Mas tudo isso você consegue dentro de campo, fazendo um bom trabalho, sendo profissional, exemplo. Tudo isso se adquire aos poucos, com seu trabalho. Se eu não fizesse um bom trabalho, não teria nada disso.
Como é o Jucilei líder?
Costumo falar pouco. Na apresentação, o Raí falou que tem vários tipos de liderança. A minha é sendo profissional, exemplo dentro e fora de campo, procurando dar sempre o meu melhor pelo São Paulo. Outros falam mais. O Petros, por exemplo, fala bastante dentro do vestiário, motiva muito. São lideranças diferentes. Procuro falar pouco e jogar mais, e fazer mais meu trabalho dentro de campo. Não é que o Petros não faz, mas ele tem mais essa facilidade de falar.
O Lugano sempre fala que se conquista a liderança pelo exemplo.
O Lugano é um cara que não falava muito, mas é um super-líder. Exemplo. Profissional pra caramba. No ano passado, mesmo sem estar jogando, pouco sendo titular, treinava duro, estava sempre motivando fora de campo. Viajava para jogo mesmo estando machucado e nos apoiava, incentivava. É um exemplo a ser seguido.
E como foi para você, um líder calado, dar a preleção como capitão contra o Madureira, na semana passada?
Sai, né? Observo algumas coisas. Falei na roda que tem horas em que precisamos ser um pouco mais ousados dentro de campo. Falei mesmo para o Marcos Guilherme e o Brenner, que eram os caras da ponta. A gente pega uns adversários que vêm para cima e é difícil marcar. Por isso, quando chega do lado do campo, precisamos tentar a jogada, sofrer uma falta. Quantos pênaltis e faltas de perigo sofremos? Falta para nós mais jogada individual, ser ousado dentro de campo. Foi a observação que fiz.
O elenco agora está cheio de garotos que vieram de Cotia. Você conversa bastante com eles?
Converso com o Militão, com o Pedro, tenho boa intimidade com o Brenner, o (Paulinho) Boia. O elenco do São Paulo não tem vaidade nenhuma, muito bom de trabalhar, bom mesmo, mesclando experiência e juventude. Tem tudo para fazer um ano muito bom, mesmo com toda pressão que sentimos, inclusive no intervalo do último jogo. Sabemos que precisamos melhorar, mas acredito muito porque o elenco é muito bom. Elenco sem vaidade tem tudo para crescer.
O que os garotos mais te perguntam?
Experiência. Passo para eles que precisam trabalhar, treinar forte, ser profissional. Se tem de estar aqui meio-dia, tem de estar aqui meio-dia. São regras, somos funcionários e temos de cumprir. E falo da vida fora também, que é importante. Viver em balada não é certo. É lógico que o cara precisa ter a privacidade dele, mas é saber ter a vida fora, porque isso conta muito. Quando o time está ganhando, ninguém fala. Quando está perdendo, falam que viu fulano lá, beltrano lá, que encontrou na balada… Às vezes, você foi para a balada só uma vez, mas cria uma fama desnecessária. Isso não é legal, precisam cuidar dessa parte.
Mas são os garotos que te procuram ou você os procura mais?
Eles vêm às vezes, outras vezes eu vou. Vejo sentado e encosto, conversamos de uma coisa e encaixa esse assunto, perguntam como é lá fora, família.
Qual desses garotos tem mais potencial?
Diferenciado é o Brenner, que vem quebrando recordes e é um cara excepcional. Tem tudo para ganhar o mundo com o futebol dele.
Você já tinha sido capitão?
Sim, na Rússia.
E conseguiu falar em russo?
(Risos) Não. Falei algumas coisas em português e o tradutor passou para eles.
Voltando ao São Paulo, do jeito que o Dorival tem jogado, com dois atacantes abertos, você fica um pouco mais exposto?
Quando o Dorival faz o 4-1-4-1, preciso de ajuda. Senão, fico sozinho no meio, vem um centroavante, joga na minha frente, não dá tempo de o outro zagueiro sair, fazem dois contra um… Contra o Corinthians, teve muito disso, e o Dorival corrigiu no segundo tempo, colocando eu e Petros centralizados na frente da defesa. Quando o adversário vê que estamos jogando só com um na frente da defesa, é lógico que vão colocar um meia ali para fazer dois contra um. Mas temos um time muito bom, muito forte, o Dorival está montando o time certo. É questão de conversar durante a partida, falar o que está dando errado para acertar.
No ano passado, após a vitória sobre o Flamengo (2 a 0, em 22 de outubro), o Dorival, quando te colocou de vez do time, disse “agora é o Jucilei que quero”. Você descobriu o que faltava você fazer?
Rapaz, treinei minha vida toda do nível que eu achava certo. Eu colocava na minha mente: vou treinar aqui, da maneira que acho, e vou me guardar para o jogo. Eu tinha muito na cabeça que, se treinasse muito forte, estaria cansado na hora do jogo. O Dorival deu essa declaração, mas eu já vinha fazendo as coisas certas, na minha opinião. Eu vinha fazendo um bom trabalho. Aquele jogo foi acima do nível, por isso que ele falou isso. Mas eu já vinha trabalhando, senão não teria já naquela época o reconhecimento da torcida. Acho que ele não explicou bem. Fiz um jogo acima da média, e é difícil fazer um jogo daquele.
Na época do Corinthians, você jogava mais solto.
Eu jogava como o Petros hoje. Jogava o Ralf na cabeça de área e eu e o Elias fazendo o bate-volta. Mas, naquela época, eu estava com 20 anos, corria sem cansar. Quando você é meninão, fica vum-vum toda hora e sai do jogo sem cansar.
Hoje, você é cabeça de área por causa da idade?
Não porque, no meu segundo ano na Rússia, eu era novo e já jogava assim. O (técnico) Guus Hiddink falava que eu tinha de jogar na frente da zaga porque saio bem para o jogo, com um bom passe, e sei marcar. Eu seria o coração do time. Ele falava que eu seria o chefe, no portunhol dele. Peguei essa posição e fui para o Al-Jazira e para a China assim. É uma posição legal de jogar.
Você concorda que sua melhor característica é o passe?
O passe é o principal. Não sou um cara que finaliza muito. Mas tenho a marcação, procuro marcar forte.
No Corinthians, você chamava atenção da torcida com dribles. Hoje, você está em uma posição que não permite muito isso. Sente falta?
Eu jogava mais na frente, né? Ali, você tem de criar mais. Jogando atrás, dou no máximo três toques. Se eu perder uma bola ali, vai estourar na defesa. Tenho qualidade (para dar drible), mas não posso dizer que sinto falta. É uma posição diferente. Lá na frente, eu podia porque tinha ainda o primeiro volante e a defesa. Agora, não posso arriscar nem pensar em perder a bola.
Você gosta do apelido “Jucirei”?
Prefiro Jucilei mesmo (risos).
Fonte: Diário LANCE!