Em meio a treinadores estrangeiros que desembarcam no Brasil, o técnico Tiago Nunes vai na direção contrária. O ex-comandante de equipes como Botafogo, Corinthians, Grêmio e Athletico-PR vem assumindo a missão de desbravar o mercado no sul-americano, pouco explorado por profissionais brasileiros, e achar uma rota diferente para o sucesso. Por isso, não hesitou ao aceitar a oportunidade de comandar a Universidad Católica, tradicional equipe do Chile, meses depois de deixar o comando do clube carioca.

O convite veio após uma passagem pelo Sporting Cristal, do Peru, e parece ter dado liga. Com Tiago Nunes, a Católica se afastou da parte mais baixa da tabela do Campeonato Chileno e está lutando ponto a ponto pelo título nacional – uma briga da qual ficou longe nos dois últimos anos. O desempenho vem empolgando o técnico, que, apesar de ter contrato até o fim do ano, pensa em seguir fora do mercado brasileiro.

– Eu cada vez mais eu me convenço que a gente tem que estar onde as pessoas realmente querem contar com a gente. Porque muitas vezes a gente força alguns ambientes, força alguns clubes para trabalhar, mas são ambientes onde as pessoas não querem que você esteja, que não querem que você trabalhe. Querem que você simplesmente sobreviva num mundo caótico. E eu estou mais longe para conseguir trabalhar, conseguir ter uma continuidade. Para poder ter um desenvolvimento profissional mais equilibrado.

Eu estou mais para fazer o caminho contrário, de buscar essas oportunidades, porque aqui sinto que sou tratado profissionalmente com um pouco mais de respeito e paciência do que efetivamente no Brasil, onde a gente sabe que o treinador não tem um valor como deveria ter.”

— Tiago Nunes, técnico da Universidad Católica

Tiago Nunes está na disputa do título chileno com a Universidad Católica — Foto: Divulgação/Universidad Católica

Tiago Nunes está na disputa do título chileno com a Universidad Católica — Foto: Divulgação/Universidad Católica

Há quatro meses no comando da equipe, Tiago Nunes colocou a Católica na zona de classificação para a próxima Copa Libertadores, o objetivo que considerou prioridade na chegada. Mas também fez renascer o sonho do time de ser campeão nacional. Após uma sequência de quatro títulos seguidos, o tradicional clube ficou longe da disputa pelo troféu nas duas últimas ligas – coincidentemente desde que ficou sem estádio, enquanto constrói uma nova casa.

A Católica hoje é a terceira colocada do Campeonato Chileno, com 33 pontos, um a menos que o líder Coquimbo e a mesma pontuação que a rival La U, segunda colocada. Com Tiago, o time venceu nove das 12 partidas na liga e chegou a emplacar cinco vitórias seguidas entre abril e maio.

– Eu tinha claro que era possível conseguir ter essa melhora. Teve trabalho, teve o convencimento por nossa parte junto aos jogadores, mas tem aquele componente de sorte também, que o cara tem que ter um pouquinho, para que as coisas encaixem, deem certo. A gente conseguiu convencer rapidamente as lideranças do grupo, os próprios jogadores se sentiram bastante identificados com a ideia de jogo que a gente trouxe. E a partir daí a gente conseguiu ter esse resultado – explica.

A oportunidade de comandar a Católica veio poucas semanas depois da demissão no Botafogo e foi fruto de uma semente plantada anteriormente. Tiago Nunes conta que passou a refletir sobre oportunidades no mercado sul-americano ainda em 2020, após deixar o Corinthians, e passou a preparar terreno, buscando representantes que pudessem encontrar uma oportunidade. Depois de ser contratado pelo Sporting Cristal, onde trabalhou em 2023 e realizou 47 jogos, seu nome passou a figurar no radar de outros clubes – e ele acredita que não teria a oportunidade no Chile se não tivesse passado antes pela liga peruana.

Ao ser perguntado sobre o trabalho à frente do Botafogo, equipe que assumiu em novembro do ano passado, nos últimos jogos do Brasileirão, Tiago garante que não se arrepende de ter aceitado o convite. Na ocasião, ele foi a última aposta do clube para tentar a conquista do título brasileiro, diante de uma grande queda de desempenho antes da sua chegada

Não (se arrepende), foi uma grande experiência. Foi uma experiência muito boa. Era uma chance viva de brigar pelo título nacional, isso é evidente. E a gente teve isso nas mãos. Faltaram algumas coisas durante o final da temporada passada para a gente conseguir ter alguns resultados que nos escaparam. E depois, no minuto 90, no final dos jogos, como aconteceu antes da minha chegada e continuou acontecendo depois… Mas não, não me arrependo de forma alguma. Acho que foi uma experiência muito válida, muito importante, que acaba também trazendo para mim um aprendizado grande nesse sentido, de me manter fiel ao processo de planejamento.”

— Tiago Nunes, sobre trabalho no Botafogo

Tiago Nunes deixou o Botafogo em fevereiro — Foto: André Durão

Tiago Nunes deixou o Botafogo em fevereiro — Foto: André Durão

Ainda no começo da passagem pelo futebol chileno, Tiago Nunes chamou a atenção das redes sociais com uma declaração sobre Pep Guardiola, comandante do Manchester City e considerado por muitos o maior treinador da história. A fala de que “gostaria de ver Guardiola disputando a Libertadores”, diante de dificuldades como a altitude, viralizou sem o contexto envolvido. E o brasileiro conta que foi apenas uma brincadeira em meio a uma conversa informal.

– A gente estava numa entrevista num tom muito descontraído, um tom de brincadeira. A gente estava falando sobre o futebol mundial, e eles me perguntaram se além do futebol brasileiro eu acompanhava o futebol europeu, Premier League. E aí eu, em tom de brincadeira, respondi a eles que não, que só acompanhava futebol de verdade, o futebol sul-americano. Então, foi uma brincadeira.

Confira a entrevista com Tiago Nunes:

 

ge: Você chegou aí na Católica há alguns meses, já com o campeonato iniciado, mas conseguiu uma boa sequência. Como foi para entrar rapidamente no ritmo e brigar pelo título?
Tiago Nunes:
– Primeiro que foi uma experiência diferente, né? Uma experiência nova, no sentido de pegar um time já com a temporada iniciada fora do Brasil. Eu já tinha passado por essa experiência no próprio Brasil, onde é mais comum a gente ter esse tipo de situação. Mas fora do Brasil não tinha acontecido. Então foi um pouquinho diferente, principalmente porque eu tive que fazer um estudo bem profundo a respeito da característica do clube, dos jogadores que aqui estavam e entender um pouco do contexto, mesmo à distância, porque eu não poderia chegar aqui do nada e começar a dar treino sem entender um pouco do que os caras tinham vivido nas temporadas anteriores. Tinha uma soma de pequenos ingredientes que justificavam um pouco do momento. O clube saiu quatro vezes campeão nacional até 2021, e em 2022 acabou tendo uma queda. De um time quatro vezes campeão nacional, passou a ocupar o sexto, sétimo posto da tabela.

Tiago Nunes está no comando da Universidad Católica desde março — Foto: Divulgação/Universidad Católica

Tiago Nunes está no comando da Universidad Católica desde março — Foto: Divulgação/Universidad Católica

Isso coincidiu também com o fechamento e início das obras do novo estádio. A Universidad Católica, onde tinha o estádio antigo, está construindo um estádio totalmente novo, para o ano que vem, A entrega está prevista para o ano que vem, vai ser um melhores estádios da América do Sul. Uma obra muito bonita, de alta tecnologia. E nesse sentido, o clube perdeu o fator local, a gente está jogando um pouco em cada lugar do Chile, mas em um estádio chamado Santa Laura, da Unión Española.

Isso também ajudou o clube para que não estivesse passando um bom momento nas últimas temporadas. E a troca do treinador, que acabou culminando na minha chegada. Então, é entender um pouquinho desse contexto, tentar resgatar um pouco da confiança dos jogadores, deixar um pouquinho de lado esse fator local, de não ter o próprio estádio para jogar e não utilizar isso como como como desculpa. Focado no que a gente tinha que fazer para potencializar os jogadores que já tinha aqui, caras experientes na maior parte. Foi mais um ajuste fino no sentido de estabelecer objetivos bem claros a curto, médio prazo. E depois disso estruturar um pouco a equipe, dentro das características que a gente tinha, dos jogadores que já tinha. E a partir daí a gente conseguiu ter uma resposta praticamente imediata dos jogadores, com uma sequência de bons resultados. Saindo de uma zona aí de brigar para não cair, a três, quatro pontos da zona de rebaixamento. E hoje aí na parte de cima da tabela, a um ponto do líder, empatado em pontos na segunda colocação com a Universidad do Chile.

Ia te perguntar sobre essa sequência, mas aproveitando que você citou o contexto do clube, eles te deram alguma meta específica? Já que vinha dessa sequência de ser campeão, e nos últimos dois anos nem brigou pelo título. O que pediram a você?
– O primeiro plano era o plano emergencial, de o clube conseguir sair da zona onde estava, porque os dois anos anteriores foram bem complicados. E esse ano também estava repetindo o filme, até um pouquinho pior. A meta era emergencial, a gente conseguir somar pontos o suficiente para colocar o time na zona de Copas.

Tendo em vista todo esse contexto, a gente conseguiu com algumas rodadas chegar nessa sétima, sexta colocação. E logicamente quanto mais próximo da parte de cima, mais difícil escalar postos. A gente também teve vitórias em confronto diretos. Mas o primeiro objetivo a curto prazo era ganhar e sair da zona que a gente estava. E se meter entre os sete primeiros. E depois disso, sim, buscando ponto a ponto, ver até onde a gente consegue chegar.

Agora vocês vêm de duas vitórias seguidas, mas já chegaram a ter uma sequência de cinco vitórias. Acha que foi ali que o time encontrou essa confiança perdida, que você de repente achou a espinha dorsal da equipe?
– É muito difícil a gente conseguir ter resultados se não tem um time competitivo. E uma coisa que eu tinha bem clara era que o time era bastante competitivo a nível nacional, que poderia, sim, brigar em cima. E por algumas razões as coisas não estavam saindo bem. Mas eu tinha claro que era possível conseguir ter essa melhora. Teve trabalho, teve o convencimento por nossa parte junto aos jogadores, mas tem aquele componente de sorte também, que o cara tem que ter um pouquinho, para que as coisas encaixem, deem certo. A gente conseguiu convencer rapidamente as lideranças do grupo, os próprios jogadores se sentiram bastante identificados com a ideia de jogo que a gente trouxe. E a partir daí a gente conseguiu ter esse resultado.

Vocês estão firmes nessa disputa pelo título. Como avalia essa briga apertada?
– A gente tem três clubes reconhecidamente grandes aqui no Chile, que são os maiores: a Católica, a Universidad do Chile e o Colo Colo. A gente tem um ponto a mais que o Colo Colo, está com o mesmo número de pontos da La U. E tem uma equipe que está entre os líderes que é o Coquimbo. Então, a gente está confiante, sim. Acredito que a gente tenha time para estar brigando até a última rodada pela liderança. Faltam 13 jogos bastante parelhos, e a gente esses confronto diretos, clássicos. E acho que vai ser ponto a ponto, até o final.

O Chile é um é um dos poucos países aqui da América do sul que tem um modo de disputa igual ao do Brasileirão, com turno e retorno. Quero saber de você o que tem em comum entre a liga daí e o Campeonato Brasileiro e o que tem de diferente?
– O campeonato é de ida e volta, mas aqui tem menos equipes, são 16, então temos menos jogos. E isso acaba afetando um pouco também a referência de pontuação que a gente tem para prever, sobre uma zona de copa, de campeonato. É um torneio que tem uma característica que você consegue trabalhar com mais tempo também, né? Tem menos times, então você tem semanas mais completas para preparar o jogo, recuperar os jogadores, treinar, focar bem para cada partida, jogo a jogo. Mas às vezes também é um pouquinho complicado quando você tem uma parada um pouquinho mais longa. Eu diria que a principal característica, a principal diferença do futebol daqui para o futebol brasileiro é o número de treinos. Aqui se treina mais do que se joga, e no Brasil, a gente joga muito mais do que treina.

Tem algumas diferenças que fazem parte do processo do futebol sul-americano em geral, comparado com o Brasil, porque aqui tem uma influência direta do futebol argentino. Já faz bastante tempo que grande parte dos treinadores aqui são argentinos, alguns uruguaios e alguns chilenos. Eu sou o terceiro treinador brasileiro da história do futebol chileno, o primeiro da Universidad Católica. Então, por essa influência muito forte do futebol argentino, é um futebol de disputa física, muitas transições. Não é um futebol tão jogado com a bola no pé. É mais um jogo de ida e volta, onde a parte física tem um peso grande. Eu trouxe um pouquinho do que eu já tinha vivido aí no Brasil em termos de característica, de proposição de jogo, e também pouco do que eu vivi no Peru. Acho que está funcionando bem alguns comportamentos do nosso futebol.

Você falou de algumas coisas que você já conseguiu implementar. Mas e no dia a dia, em termos de adaptação ao país?

– É óbvio que eu falo meu espanhol, acho que bastante razoável. Claro que tem a diferença de sotaque, mas em termos de comunicação, acho que me viro bem. E há essa experiência de adaptar a cenários diferentes, campos e localidades. Por mais que a gente tente falar que o futebol é universal hoje, as equipes têm as suas características.

Eu penso que quanto mais eu trabalho fora do Brasil, mais eu me desenvolvo na parte técnica, na parte tática, principalmente. Mais eu evoluo na parte conceitual, na capacidade de convencer o jogador de como atuar em diferentes cenários. Eu tenho certeza hoje que o treinador, de maneira geral, não pode se agarrar somente a uma forma de jogar. Ele tem que se adaptar a formas diferentes e programar os jogos para isso. Alguns jogos você vai ser mais defensivo que outros, alguns jogos você vai jogar de forma mais direta, alguns jogos você vai tentar ter uma proposição de jogar com a posse. Então, eu tenho aprendido cada vez mais trabalho é a me adaptar a cenários diferentes.

Depois tem o ganho pessoal, de estar trabalhando fora do meu país, estar num país muito organizado, com a qualidade de vida muito boa. Eu diria que tem certas partes da do país aqui, da cidade de Santiago, que eu me sinto trabalhando na Europa, porque tem uma qualidade de vida, de segurança, um padrão de vida muito bom. E que em alguns lugares no Brasil a gente não encontra.

Como é que chegou exatamente esse convite da Católica? Porque entre a sua saída do Botafogo e o início do trabalho aí foi muito rápido, né?
– O fato de eu ter trabalhado no Peru, no Spoting Cristal, me abriu outras portas América do Sul. Eu já havia recebido três outras propostas de dois países diferentes para trabalhar aqui na América do Sul, em clubes importantes, e havia negado. E esse processo de voltar ao Brasil, viver um pouquinho mais do que é o futebol brasileiro, me fez estar convencido que eu deveria continuar trabalhando aqui no mercado sul-americano, seguindo minha planificação de carreira, que é buscar portas abertas a nível internacional, na América do Sul, para depois buscar outras portas atravessando o Atlântico.

Então, a chegada da proposta a chegada da Universidad Católica foi porque eu já havia trabalhado no Sporting Cristal, isso eles me falaram. Se eu não tivesse uma experiência anterior, eles não teriam me procurado. E depois foi através de um representante chileno, que indicou meu nome para eles. Eu passei por um processo seletivo, com uma entrevista, sei que outros treinadores também foram entrevistados. Foram duas reuniões, mais uma entrevista que durou em torno de três horas e meia, onde eu apresentei todas as minhas ideias, tanto no processo de construção de equipe, de gestão, mas também da estrutura do clube.

A gente entrou num debate sobre o momento atual, tinha um estudo profundo a respeito do momento do time, dos jogadores. Foi uma entrevista bem grande, onde eu apresentei o que eu penso e quais seriam os pontos que imaginava para o clube, e eles apresentaram o projeto esportivo. A gente criou essa identificação e, consequentemente, eles me fizeram uma proposta.

Você ainda não tinha conversado com a imprensa brasileira desde que você saiu do Botafogo. Queria aproveitar e perguntar como foi esse processo de saída, se a decisão te pegou de surpresa…
– Foi uma saída, eu diria, tradicional. Ou seja, eu fui demitido pelos resultados e fui informado pelo nosso diretor de futebol. A gente sabia que estava envolvido num processo de reestruturação e reconstrução de uma equipe, que terminou a temporada do ano passado emocionalmente muito afetada. E naturalmente teríamos que arrancar a temporada com uma mudança bastante grande no número de jogadores, chegada de outros. Então, era um processo de reconstrução do time.

E aí digo de maneira muito sincera: tudo que eu tinha para comentar a respeito da demissão, eu comentei de forma muito direta ao John Textor. A gente não teve muita comunicação durante a minha trajetória dentro do Botafogo, eu falava muito o (André) Mazzuco e o Alessandro (Brito). E depois, sim, que chegou a informação de que eu seria demitido, eu conversei tudo o que eu tinha que falar.

Eu preferi falar diretamente ao John Textor, para que ele tivesse todo o entendimento das decisões que foram tomadas de forma interna, as razões pelas quais foram tomadas cada decisão, o que partia do treinador. E dentro disso não quis de maneira alguma falar a respeito do processo de saída do Botafogo, porque quando a gente sai, falar depois que sai, depois que é demitido, tudo tem uma conotação de desculpa, de justificativa, porque as coisas não funcionaram. E eu não queria passar por esse processo. Acho que é um processo que somente desgasta o treinador, né? Então não quis passar por isso.”

— Tiago Nunes, sobre saída do Botafogo

Acho que não muito a se acrescentar depois que você sai, é demitido. O julgamento acaba sendo por parte da imprensa, das pessoas que gerenciam a informação. E eu tomei somente a reserva de falar diretamente com o dono do processo do clube. E quero deixar um alô, um agradecimento carinhoso a todas as pessoas com quem eu convivi durante o tempo em que eu estive lá dirigindo o Botafogo.

Você comentou que tem um planejamento de carreira na América do Sul. Quando você estava no Sporting Cristal, apareceu essa oportunidade de comandar o Botafogo em um momento meio conturbado. Olhando para trás, você se arrepende de ter voltado ao futebol brasileiro e assumido esse desafio? Ou acha que valeu a pena essa experiência?
– Não, foi uma grande experiência. Foi uma experiência muito boa. Era uma chance viva de brigar pelo título nacional, isso é evidente. E a gente teve isso nas mãos. Faltaram algumas coisas durante o final da temporada passada para a gente conseguir ter alguns resultados que nos escaparam. E depois, no minuto 90, no final dos jogos, como aconteceu antes da minha chegada e continuou acontecendo depois… Mas não, não me arrependo de forma alguma. Acho que foi uma experiência muito válida, muito importante, que acaba também trazendo para mim um aprendizado grande nesse sentido, de me manter fiel ao processo de planejamento. A gente sabe que o futebol ele é muito instável, então você nunca sabe onde vai estar 100% preparado, você tem que estar preparado para qualquer coisa que pode passar. Mas eu tenho certeza que eu sou profissional que a cada a cada situação que acontece na minha carreira, tanto positiva como negativa, tento fazer uma autocrítica grande para tentar melhorar. Tenho, creio que bastante caminho pela frente ainda. Tenho 44 anos, já vivi bastante coisa dentro do futebol, muitas situações positivas e negativas, e creio que isso acaba somando dentro do aprendizado que me aproxiam dos meus objetivos futuros.

Você está mergulhando num mercado que é pouco explorado pelos treinadores brasileiros, principalmente mais recentemente. Quero te perguntar sobre esse planejamento de carreira, como começou, se surgiu a partir da oportunidade lá no Peru?
– Eu passei a olhar para esse mercado depois de uma reflexão. A gente sempre fala, os meios de comunicação também, por que o treinador brasileiro não é convidado a trabalhar fora do Brasil, em mercados chamados mais competitivos, como o europeu, que é dominado, quando se fala de sul-americanos, por argentinos e alguns uruguaios. Então, estudando e principalmente indo até a Europa, onde eu fiz uma viagem de estudos de 30 dias, entre Espanha e Portugal, eu cada vez me convenço mais que não é falta de capacitação dos profissionais, é realmente de oportunidade de se lançar fora do Brasil. De a gente buscar essa oportunidade.

Eu fiquei refletindo muito sobre isso a partir de 2020, depois da minha saída do Corinthians, por que o treinador brasileiro não tem esse mercado aberto América do Sul. Agora, como o treinador brasileiro quer trabalhar na Europa, se ele não consegue trabalhar dentro do seu próprio continente? Fui pensando nessa lógica e fui buscar oportunidades de ser lembrado fora do Brasil, na própria América do Sul. E aí busquei alguns representantes, algumas pessoas, fiz muitas reuniões com alguns clubes para entender um pouco do contexto, o porquê de a gente não ser lembrado. E como que a gente teria que fazer para começar a entrar nesse mercado.

De uma forma geral, o que eu sempre vi foi que os treinadores de outros países não se preocupavam muito com a estrutura, com a liga, com o campeonato, eles simplesmente iam e trabalhavam. E a gente sempre colocou muitas barreiras. “Eu só vou para uma liga onde eu vou receber bem, que tem que ter 100% da estrutura ideal. Ou que eu possa ir com todo o conforto do mundo”. E eu sempre fui um profissional que tive fora dessa zona de conforto. Então, abri mão de algumas questões econômicas e também de algum status que já havia alcançado para trabalhar fora do Brasil.”

— Tiago Nunes, sobre oportunidade de treinar na América do Sul

Foi quando veio essa proposta para assumir o Sporting Cristal, que tinha três ingredientes para mim que eram básicos. O primeiro que era uma equipe era um time bastante conhecido, que você remete automaticamente ao futebol peruano, um time que joga a Copa Libertadores. Eu não precisava explicar para ninguém que time era esse. O segundo é se o time tinha condições estruturais mínimas para trabalhar da forma que eu acredito. E terceiro, se tinha um time, jogadores capazes de brigar pelo título. Então, quando veio esse convite, a gente fez algumas reuniões, e eu acreditava que o time tinha esses três pilares para que eu pudesse desenvolver o meu trabalho. E aconteceu o mesmo aqui com com a Católica.

Eu acabei aceitando o convite e creio que isso acaba gerando outros convites e interações. O mercado me vê como um treinador que tem 50 jogos em copas internacionais, entre Copa Libertadores, Sul-Americana e Recopas, jogos fora do Brasil e bastante experiência. Isso acaba sendo um atrativo para que possam me convidar. E espero que isso também esteja gerando outras oportunidades para outros treinadores brasileiros, porque muitos me chamam perguntando como é, pedindo indicações. E sempre que é possível a gente faz isso, compartilha, indica outros profissionais que são muito capacitados. Por coincidência, uma boa herança que a gente deixou, o Sporting Cristal depois convidou o Enderson (Moreira). Não passou por mim a indicação, mas o Enderson é um grande profissional. E a gente vai abrindo portas, aumentar esse mercado para todo mundo.

Ainda sobre esse tema, não posso deixar de perguntar sobre uma entrevista que você deu para imprensa chilena e chamou a atenção… Você disse que gostaria de ver o Guardiola trabalhando na América do sul, na Libertadores, com as dificuldades. Acompanhou a reação a isso nas redes sociais?
– Não, não acompanhei nenhuma repercussão. Tenho tentado já há bastante tempo ficar distante das redes sociais. Mas imaginando pela pergunta deve repercutido bastante, né? É complicado, porque se pega só um trecho, fora do contexto e consequentemente gera uma notícia e uma informação. A gente estava numa entrevista num tom muito descontraído, um tom de brincadeira. A gente estava falando sobre o futebol mundial, e eles me perguntaram se além do futebol brasileiro eu acompanhava o futebol europeu, Premier League. E aí eu, em tom de brincadeira, respondi a eles, que não, que só acompanhava futebol de verdade, o futebol sul-americano. Então, foi uma brincadeira no ar.

E aí eu emendei em cima disso: “Queria ver o Guardiola dirigindo aqui na América do Sul, Libertadores, jogando na altitude”. Mas foi um tom de brincadeira. Como é que eu, um simples mortal, vou falar do Guardiola, multicampeão de tudo? Mas são coisas que a gente não controla. A gente fala, fala num tom, num contexto, e aí gente sabe que hoje o contexto não acompanha as frases e fica refém disso. Qualquer um depois pega um trecho e avalia da forma que quer. Descasca, faz textão, abre o abre o coração, me insulta de tudo que coisa. Mas faz parte da vida. Eu sei como funciona o sistema, o mercado, e com o passar do tempo a gente vai falando menos, né?

Eu imagino preocupação que deve estar o Guardiola com isso, com essa declaração. Deve ter perdido noites de sono (risos).

Tiago, sobre os próximos meses, o que você projeta?
– O campeonato aqui termina dia 10 de novembro, então não falta tanto para terminar. A gente tem 13 jogos, e a perspectiva é seguir ponto a ponto, tentar brigar pelo título até o final da temporada. E se não for possível o título, no mínimo estar aí numa copa Libertadores, porque vamos inaugurar o estádio no ano que vem. Meu projeto é terminar bem a temporada. Vamos ver se a gente consegue terminar em bom nível, e já tem alguns movimentos aqui por parte da direção para uma possível renovação. Mas eu também não estou muito preocupado com isso, vim viver o processo, o dia a dia.

Eu cada vez mais eu me convenço que a gente tem que estar onde as pessoas realmente querem contar com a gente. Porque muitas vezes a gente força alguns ambientes, força alguns clubes para trabalhar. Mas são ambientes onde as pessoas não querem que você esteja, que não querem que você trabalhe, querem que você simplesmente sobreviva num mundo caótico. E eu estou mais longe para conseguir trabalhar, conseguir ter uma continuidade. Para poder ter um desenvolvimento profissional mais equilibrado.

Tiago Nunes diz que deseja seguir trabalhando fora do Brasil: “Mais respeito e paciência”

Tomara que que outros treinadores brasileiros se inspirem nessa rotina de sair do nosso Brasil. É um mercado bonito, que tem muitos profissionais capazes. E aí a gente está vendo cada vez mais o Brasil absorver profissionais aqui sul-americanos sem a mínima experiência, que nunca trabalharam em lugar nenhum, praticamente, e já assumem times de primeira divisão do futebol brasileiro. O Brasil não tem uma rotina de mercado, é “Vamos ver o que acontece. Se deu certo, deu. Se não deu certo, vai embora”. E eu estou mais para fazer o caminho contrário, de buscar essas oportunidades, porque aqui sinto que sou tratado profissionalmente com um pouco mais de respeito e paciência do que efetivamente no Brasil, onde a gente sabe que o treinador não tem um valor como deveria ter.

Diante dessa sua fala, se depender de você, gostaria de seguir trilhando um caminho aí fora do Brasil?
– Eu, graças a Deus, hoje eu alcancei uma condição que eu não posso escolher onde eu vou trabalhar, mas quando vou trabalhar. Tenho condição de ficar em casa um ano, dois, três anos parado e fazer uma análise. Eu tenho me qualificado, tentado qualificar melhor a minha progressão de carreira em trabalhos que eu possa iniciar e terminar. Então, se eu pudesse encontrar um projeto dessa forma no Brasil, provavelmente poderia aceitar. Mas eu acho que isso é um pouco utópico para nossa realidade. Então, tenho focado muito mais esse mercado internacional, onde eu acredito que tenho mais chance de poder cumprir o início, meio e fim de um de um projeto do que efetivamente voltar ao cenário nacional.

Fonte: GE