“Sua cidade não tem água nem comida. Como você está vivo até hoje?”: essa era a pergunta que Luis Guilherme costumava ouvir de outros atletas aos 11 anos de idade, quando chegou às categorias de base do Palmeiras. Nascido em Aracaju, em Sergipe, a joia do clube lidou com xenofobia desde cedo e chegou a sofrer agressões no início da jornada profissional em São Paulo.
– O pessoal tinha muito preconceito. Acho que até hoje quem é do Nordeste sofre muito com isso. Foi difícil me adaptar. Eu já afastava logo essas pessoas que falavam mal e nem olhava direito. Ficava triste porque era muito novo, claro. Só 11 anos. Meus amigos no clube falavam pra não ligar, que poderia ser inveja de mim, que tinha acabado de chegar. Mas graças a Deus não desisti, isso me ajudou a ter um mental forte e suportar o processo – afirmou o garoto de 18 anos.
Luis Guilherme chegou à capital paulista com a mãe, dona Ana, que abandonou a função de operadora de caixa para viver o sonho junto ao filho. O pai, seu Gladson, seguiu em Aracaju trabalhando como policial.
Ela foi a confidente do árduo processo de adaptação no Palmeiras, e incentivadora do menino que superou a timidez para se impor dentro e fora de campo. Porém, o preconceito sofrido por Luis não se restringiu aos xingamentos, e Dona Ana precisou intervir.
– Certo dia um menino falou de novo que nossa cidade não tinha água e bateu nele. Aí já mudei a postura, porque ultrapassou o limite da agressão. Fui até a casa do menino e falei com ele. Depois, falei pro Guilherme: da próxima vez, pega qualquer coisa, joga nele e corre, porque ele é mais velho. Você tem 11 e ele tem 13. O técnico até falou um dia: “nossa, o Guilherme tá bravo”. E eu respondi: pois é, eu que ensinei. Não dá pra viver só apanhando. Não dá pra ser bonzinho o tempo todo – afirmou a mãe.
– Ele chegava em casa e me contava o que passava nos treinos. Eu lhe dizia que era um adversário querendo lhe destruir e lhe deixar triste pra que ele alcançasse os objetivos dele. Falava pra não ligar e trazer apenas o que era bom, mas que precisava se impor.
À época, o garoto cabisbaixo e de poucas palavras percebeu que um conselho ouvido em Aracaju faria a diferença na metrópole paulista.
Jadson, um dos professores de Luis Guilherme em Sergipe, ficou impressionado ainda no primeiro treino. Com 7 anos, Luis driblou o time todo e fez um golaço. Depois, ficou 15 minutos sem tocar na bola.
O professor reconheceu a timidez do futuro jogador palmeirense, e desenvolveu um treino específico para desinibi-lo de vez.
– Como ele era muito tímido, falava bem baixo, de cabeça baixa. Comecei a cobrá-lo para pedir bola ao goleiro. Eu ficava a uns vinte metros de distância dele. Se eu não o ouvisse pedindo bola, pedia pra falar mais alto. Dizia: “Não tô ouvindo, não”. Depois, me afastava uns quarenta metros. Ele pedia a bola com voz baixa, e eu dizia: não estou ouvindo! Até ele chegar na altura necessária para que eu escutasse do outro lado da quadra. Jogador diferente precisa pegar na bola. Ele tinha qualidade pra isso, só precisava falar mais – completou Jadson.
Além da timidez, outro desafio no início de carreira foi a ida ao primeiro teste no Palmeiras. Sem condições financeiras de bancar a viagem, o jogador contou com a ação caridosa de Cristina, tia que não pensou duas vezes em quebrar o próprio cofre de moedas.
– Eu fico até emocionada, entendeu? Porque foi difícil. Pensei em não vir, porque, além de tudo, não queria separar a família. Mas a Cristina quebrou o cofre, pegou as moedas e começou a contar. Tinha 600 reais, tudo em moeda de um real. Sou muito grata a ela – disse Ana.
– Inclusive, recentemente fui levar umas moedas pro netinho dela, né? Cheguei no aeroporto e o negócio começou a apitar. Abriram a mala, e por sorte não acharam as moedas. Começou o “pipipi” da máquina e eu já pensei “valei-me, Jesus”. Mas deu tudo certo – afirmou Ana, que gargalhou ao fim da resposta.
A trajetória permeada de superação explica o porquê do jeito carinhoso de Luis com a família e, muitas vezes, até pegajoso, como diz a própria mãe. Reflexos de quem saiu de casa cedo e superou a xenofobia mesmo aos 11 anos.
Com auxílio do clube e ambientação na capital paulista, Luis Guilherme fez sucesso na base: foi campeão em todas as categorias, além do bicampeonato da Copinha e do título no Torneio de Montaigu, pela Seleção Sub-17, ao lado de Endrick.
Elogiado internamente pelo comprometimento e disciplina, ele estreou profissionalmente no ano passado e participou da conquista do Brasileirão.
– É um jogador incrível. Ainda está chegando no auge emocional. Quando ele chegar, vai criar coragem e uma série de coisas importantes para um atleta profissional. Faz parte do processo. Não tenho dúvida que estaremos de frente pra um dos grandes jogadores no mundo – afirmou Jadson.
– Não vai faltar garra e vontade. Vou dar sempre o meu melhor pra representar esse time e essa torcida maravilhosa – completou o camisa 31 do Palmeiras.
Fonte: GE