“Menino de classe média quando falam que ele joga bola olham com desconfiança. Falam logo para colocar para estudar.” Foi assim que Severino Ramos, auditor de 52 anos, descreveu o começo do seu filho na vida de jogador de futebol. A desconfiança reinava em torno de Cal Rodrigues. Por não sair de uma comunidade, usar o esporte como salvação para a família, alguns talentos podem ser deixados de lado e outros caminhos traçados. Seu Ramos, como o pai do meia do Náutico, não desistiu do talento do filho. Fez muito mais.
Quando Cal ainda era uma criança na pré-escola, ele já escutava que seu filho tinha talento. Não deu muita atenção no começo até observar o garoto nas quadras. Louco por futebol, algo que o Cal herdou, Severino decidiu que deveria investir no garoto. Separado da esposa desde que o filho tinha cinco anos, sempre moraram juntos e viveram algumas aventuras no futebol.

Começo entre os estudos e a bola

Nando Chiappetta/DP

Da escolinha de futsal, Cal passou pelos três grandes clubes de Pernambuco na modalidade até chegar ao CT do Barão, onde fez a transição para o futebol de campo. Um caminho que sempre teve além de Seu Ramos, o estudo. “Minha formação é de estudo e nunca permiti que ele não estudasse. Sempre acreditei no talento dele. Minha sorte é que eu trabalho até 13h. Largava e já esperava ele com o almoço no carro. Ele ia almoçando até o CT para não perder o treino. No futsal, era do mesmo modo. Mesmo com essa correria, nunca pensamos em desistir”, contou o pai.

Apesar do incentivo do pai para os estudos, Cal teve que interromper o curso de fisioterapia que cursava na Uninassau recentemente. Por pouco, não fez economia como Seu Ramos. Ficou no remanejamento, mas não conseguiu entrar na UFPE. Porém, a pausa é momentânea segundo ele. “Tive que trancar a faculdade. Iria pagar cinco cadeiras e quatro eram à tarde. Aí não tinha como comparecer. Mas não vou desistir. Falta pouco tempo. Apenas quatro períodos. À noite, estava tranquilo e não estava perdendo muita aula. Via a importância do meu curso para a minha profissão e me dedicava muito. Nunca tive pensamento de largar”, disse o atleta do Náutico.

Tranquilidade como marca

Nando Chiappetta/DP

O que Cal também não largará de modo algum é a tranquilidade. Ponto forte da sua personalidade. Apesar de ter substituído Marco Antônio no último Clássico das Emoções, do último domingo, e ter dado conta do recado, nada que garanta sua permanência no time, o atleta apenas ficou com mais certeza que a sua hora em algum momento irá chegar. “Não tem o que dizer o que preciso para ser titular. Acho que estou indo bem quando jogo. Estou fazendo o meu trabalho bem feito. A torcida, a comissão técnica e meus companheiros de grupo estão me elogiando. Tenho consciência que posso ser titular, mas respeito o que Marco já fez pelo clube. Sei da qualidade de Maylson. Acho que tenho que acrescentar o máximo o que esses jogadores podem passar para mim.”

Planos de carreira

Ricardo Fernandes/DP

Apesar da tranquilidade e saber que ainda há muito caminho pela frente, Cal não minimiza seus desejos. Parece ter os caminhos que deseja percorrer bem traçados na sua mente. Sonhos nada pequenos. “Penso a longo prazo em jogar em um grande clube brasileiro, quem sabe ir para a Europa e Seleção Brasileira. Se eu não tiver isso como objetivo é melhor eu largar.”

Em 2016,  o meia, que já foi listado como volante no Timbu, chegou a perder um pouco da calma. Nada que foi externado, mas que o deixou chateado. Quando ganhou o posto de titular para a partida contra o Atlético-GO, no Serra Dourada, pelo técnico Alexandre Gallo, o atleta foi do céu ao inferno em poucos dias. Momento que sua calma foi testada segundo o pai. “Ano passado, ele jogou em Goiás e, na volta, ele foi devolvido para a base. Ficou muito chateado, mas nunca desistiu. Ele é tranquilo e tem muita personalidade. Às vezes, ele faz treinos bons e acha que vai jogar e sempre digo para ele que não se afobar.”

Atual temporada

Léo Lemos/Náutico

Nas cinco vezes que esteve em campo em 2017, duas pela Copa do Nordeste e três pelo Estadual, Cal não se afobou. Não foi visto tentando nada fora do comum. Talvez, por isso, acertou 91% dos passes tentados. Ele sabe a sua responsabilidade dentro de campo. Perder a bola na sua posição é algo letal e, se uma comparação pudesse ser feita à sua própria descrição, um armador de basquete seria até mais apropriado do que um meio de campo. “Eu me descrevo como um organizador nato. Eu chego bem de trás, organizo, dou cadência. Acho que sei a hora de acelerar e dar uma virada de jogo.”

Por essas características, que casam tão bem com as dos seus companheiros e de certa forma mentores, Cal reforçou que não seria nada fora do comum compor um meio de campo ao lado de Marco Antônio e Maylson. “Eu acompanho muito redes sociais e alguns comentaram que não daria certo um meio de campo comigo, Marco Antônio e Maylson. Acho que comprovei no jogo para quem achava que eu não marcava muito. Jogador técnico pode jogar junto. Basta ter organização. A seleção olímpica é a prova disso. O meio de campo era basicamente todo mundo técnico. Basta se doar que vai dar certo.”

Inspiração europeia

Léo Lemos/Náutico

A mentalidade de doação de Cal pode ser reflexo ainda da época do futsal, onde todo mundo marca, corre e se entrega. Também pode ser algo que tem aprendido nos jogos que sempre está assistindo na TV. Fã do futebol do Barcelona, Cal sempre procurou aprender algo baseado no que Xavi, Iniesta ou Busquets faziam no Camp Nou. A camisa 21 poderia ser algum tipo de homenagem a um dos seus ídolos. Zidane e Pirlo foram alguns a utilizar este número, mas o atleta disse que a interpretação passou longe. “Escolhi o 21 porque iria completar 21 anos neste ano e é o dia do aniversário de namoro (com Luana Albuquerque). Não teve nada a ver com Pirlo ou Zidane, jogadores que usaram esse número. Acho que vou manter esse número durante a carreira”, contou.

Título como prioridade no Náutico

Ricardo Fernandes/DP

Como quem responde uma pergunta simples como o motivo para o número da camisa, Cal também encontra palavras com a mesma velocidade para listar as prioridades do Náutico na sua opinião. A sua resposta é sutil, mas ele justifica por que o título é mais importante do que qualquer acesso ou retorno aos Aflitos. “Acho que título. Aflitos pode vir depois. O Náutico precisa de muito dinheiro para reformar os Aflitos. Título vai atrair tudo. Renda, investimentos, torcida. Título é o fundamental. Sou recifense e tenho muitos parentes alvirrubros. Sei como é essa sede de títulos, e o time tem que ganhar um título. Falam muito do acesso, mas na minha concepção o mais importante é o título porque, você com o título, há tranquilidade para a Série B”, contou.

Aproveitamento da base

Nando Chiappetta/DP

Cal ainda elogia que a base está sendo aproveitada, comenta o trabalho de Milton Cruz e prega calma para a reta final do Campeonato Pernambucano. Lembra que não adiantou de nada ser o primeiro lugar desde o começo ao fim no Estadual de 2016. A entrevista acaba, ele ri, pega um pedaço de bolo de rolo e continua conversando como se nada tivesse acontecido. A ficha ainda não deve ter caído. Ainda não deve ter entendido que uma parte da torcida o observa como uma nova esperança para o meio de campo alvirrubro. Quem sabe um novo ídolo está nascendo? Só o tempo irá dizer. Mas pode ter certeza. Cal deve seguir o mesmo. Ele é deste modo desde o primeiro dia no elenco profissional. Algo bem incomum para quem tem apenas 21 anos.